“Os bancos estão a fazer muito dinheiro com a crise. Agora, têm de pagar uma parte dos créditos à habitação, porque nós pagámos dezenas de milhares de milhões de euros a salvar a banca na última década”, insistiu, em tom crítico, André Ventura, durante um encontro com os jornalistas, a anteceder o jantar da ‘rentrée’ do Chega, que reuniu membros da direção nacional do partido, deputados na Assembleia da República e elementos das distritais, entre outros militantes.
E desafiou o PSD a “deixarmos por uma vez as amarras do preconceito, do elitismo e do corporativismo, e termos uma reforma fiscal para a classe média.”
José Manuel Oliveira
“Está a chegar?…” – perguntou alguém, pelas 21.00 horas, perto da piscina do bar e restaurante ‘Duna Beach’, na Meia-Praia, em Lagos, onde decorreu, na sexta-feira à noite, 24/08/2023, e até ao início da madrugada de sábado, 25 de Agosto, sob imenso calor, o jantar que serviu para assinalar a ‘rentrée’ do Chega!, dirigindo-se em direção ao parque de estacionamento, junto à linha férrea, no qual era aguardado o líder do partido. Mas só pelas 21h.35m., surgiu, finalmente, e com toda a descontração, André Ventura, de calças e casaco pretos, camisa branca e gravata verde.
Antes de chegar até junto de militantes, de dirigentes das distritais, de elementos da Direção Nacional do Chega! e de deputados na Assembleia da República (faltaram alguns dos doze que o partido tem no hemiciclo de São Bento), André Ventura falou aos jornalistas, começando por ser questionado sobre a polémica com o seu partido nas eleições legislativas regionais na Região Autónoma da Madeira, as quais terão lugar no dia 24 de Setembro de 2023, e a queixa apresentada por um militante no tribunal. Como encara esta ‘rentrée’ do Chega!?

“Os tribunais existem para fazer valer a democracia, também. A lei, mas também a democracia. Quando as sondagens dão ao Chega, nomeadamente na Madeira, o terceiro lugar, retirar o terceiro concorrente de uma eleição, eu acho que seria um precedente gravíssimo que poderia, numas próximas eleições, até legislativas, ou presidenciais, ou outras, abrir essa porta.”
“É uma ‘rentrée’ um pouco diferente daquela que esperávamos e que tudo apontava que pudesse ser, dado o crescimento das sondagens, que o Chega quisesse falar para o país enquanto alternativa política, sobretudo no momento em que o PSD não consegue descolar e ser essa alternativa”, começou por responder André Ventura. “Mas a vida é o que é e estou muito convencido, absolutamente convicto, de que o Chega vai disputar as eleições na Madeira. Acho que se não acontecer, será um ataque brutal à nossa democracia. E, portanto, vou fazer esta ‘rentrée’ política, baseando-me no pressuposto de que o Chega concorrerá às eleições na Madeira”, acrescentou.
– Mas existem reclamações… – observou um jornalista.
André Ventura reagiu: “Acho que os tribunais existem para fazer valer a democracia, também. A lei, mas também a democracia. Quando as sondagens dão ao Chega, nomeadamente na Madeira, o terceiro lugar, retirar o terceiro concorrente de uma eleição, eu acho que seria um precedente gravíssimo que poderia, numas próximas eleições, até legislativas, ou presidenciais, ou outras, abrir essa porta.”
“A Direita não tem estado representada nos últimos tempos. Eu ouvi com muita atenção, estando ainda de férias, a ‘rentrée’ do PSD e do doutor Luís Montenegro, com uma grande reforma fiscal que ia ser apresentada, aguardei para ver qual era essa reforma fiscal e o (seu) verdadeiro sentido, e percebi que a reforma fiscal do PSD e da Iniciativa Liberal resume-se a uma coisa: é estar sempre aos gritos a dizer «baixem os impostos!»
“Em todo o caso – insistiu – volto a dizer que estou absolutamente convencido de que isso não vai acontecer.” “E, por isso – sublinhou – hoje, uma das minhas preocupações vai ser falar, também, para o país, transmitir ao país aquilo que eu acho que é importante. E uma das coisas que acho que é importante é dizer que a Direita não tem estado representada nos últimos tempos. Eu ouvi com muita atenção, estando ainda de férias, a ‘rentrée’ do PSD e do doutor Luís Montenegro, com uma grande reforma fiscal que ia ser apresentada, aguardei para ver qual era essa reforma fiscal e o (seu) verdadeiro sentido, e percebi que a reforma fiscal do PSD e da Iniciativa Liberal resume-se a uma coisa: é estar sempre aos gritos a dizer «baixem os impostos!». E, portanto, o desafio que vamos deixar ao PSD, sobretudo, mas à Direita toda, é se estão, ou não, de acordo, de que o dinheiro de que precisamos, nomeadamente para ajudar as pessoas que não conseguem pagar a casa, neste momento, se faça com o recurso às taxas sobre os bancos, como está a acontecer em Itália. Lembro que, em Itália, temos um governo em que as nossas duas famílias políticas estão representadas, a do PSD e a do Chega, através da Liga e da Força Itália. E chegaram a acordo para fazer isso.”

É preciso “deixarmos de ser a direita dos ricos, que só se preocupa em pedir menos impostos, e tenha outras soluções”
Sem papas na língua, como, de resto, é seu timbre, André Ventura voltou a lançar avisos aos partidos da direita em Portugal, principalmente ao PSD: “O desafio que deixo à direita portuguesa é deixarmos de ser a direita dos ricos, parece que é a direita dos ricos, que só se preocupa em pedir menos impostos, e tenha outras soluções. E a nossa é clara: os bancos fizeram muito dinheiro à custa desta crise e é importante ir buscar uma parte desse dinheiro, temporariamente, para financiar, para ajudar a baixar as prestações daqueles que não o conseguem fazer.”
“Não basta dizer «baixem impostos». Porque baixar o IRS não vai resolver o problema da habitação para muita gente.”
Para o líder do Chega, “a direita tem de ser capaz de descolar da imagem de corporativista e elitista que tem e transmitir a imagem certa às pessoas.” “Neste momento – reforçou – nós temos uma classe média que não consegue pagar as casas. Não só em Lisboa, como aqui no Algarve e na Madeira, mas também em muitas outras zonas do país. E nós temos de dizer qual a solução: não basta dizer «baixem impostos». Porque baixar o IRS não vai resolver o problema da habitação para muita gente.”
“O desafio que deixo, sobretudo ao PSD, é deixarmos por uma vez as amarras do preconceito, do elitismo e do corporativismo, e termos uma reforma fiscal para a classe média. É isso que as pessoas querem: justiça fiscal”
– O Chega vai apresentar alguma proposta que se baseie na questão da descida do IRS? Vai insistir?
André Ventura respondeu: “O Chega já o fez e até, nalguns casos, o PSD votou contra em alguns orçamentos. Mas isso são águas passadas, nós sabemos que em política é o que é. O que nós queremos é ir mais longe e o desafio que vamos deixar aqui, à direita, é sermos capazes de ir mais longe. Quer dizer, sim senhor, nós temos de baixar impostos, mas também temos de ter justiça fiscal. E, digamos, assim, uma das novas ondas da justiça fiscal que está a varrer a Europa, e a que nós não podemos ficar alheios, é esta: Ponto 1 – os bancos estão a fazer muito dinheiro com a crise, agora têm de pagar uma parte dos créditos à habitação, porque nós pagámos dezenas de milhares de milhões de euros a salvar a banca na última década. É legítimo que a banca, agora, sirva para ajudar a classe média. Ponto 2 – a guerra e a inflação. (Na sequência do) acréscimo que o Estado teve em receita fiscal ao longo dos últimos anos na guerra na Ucrânia, e que foi muito grande, é legítimo vir com uma parte desse valor que se ganhou em inflação e que sirva para baixar a prestação de crédito à habitação.”
“O desafio que deixo, sobretudo ao PSD, é deixarmos por uma vez as amarras do preconceito, do elitismo e do corporativismo, e termos uma reforma fiscal para a classe média. É isso que as pessoas querem: justiça fiscal”, insistiu o presidente do Chega.
“Penso que não há nenhuma razão para que a lista do Chega seja invalidada [nas eleições regionais na Madeira]. Mas, volto a dizer, esta é uma questão jurídica e estou absolutamente seguro de que temos razão. Mas não quero deixar de dizer isto: independentemente das decisões, seria um precedente gravíssimo que permitiria que determinados órgãos não eleitos, que, em determinados momentos, retirassem partidos das eleições.”
Ainda sobre as eleições regionais na Madeira, André Ventura lembrou que “o Tribunal do Funchal decidiu de forma acertada e deixou claro que uma coisa é as discussões internas dos partidos em relação à sua orgânica; outra tem a ver com os requisitos para a concorrência a atos eleitorais.” E esclareceu: “O que a lei exige é que o partido exista, esteja registado e regularizado, que as listas sejam entregues, cumprindo os requisitos dos seus candidatos. Foi isso que aconteceu.”
“Penso que não há nenhuma razão para que a lista do Chega seja invalidada. Mas, volto a dizer, esta é uma questão jurídica e estou absolutamente seguro de que temos razão. Mas não quero deixar de dizer isto: independentemente das decisões, seria um precedente gravíssimo que permitiria que determinados órgãos não eleitos, que, em determinados momentos, retirassem partidos das eleições. Imaginem que se o Tribunal Constitucional tomasse uma decisão sobre o PSD, ou sobre o PS, a três meses de umas eleições legislativas. Significaria que o partido não poderia ir a votos? Então, como ficaria representado o Parlamento? Quando se tomam decisões dessas, temos de saber qual o dia a seguir. E a democracia não morre no dia a seguir”, alertou André Ventura, desafiando a justiça portuguesa.

E que consequências poderá haver no dia a seguir? – perguntou outro jornalista. “É a democracia que fica em causa”, voltou a insistir André Ventura. “Repare: as sondagens indicam PSD, PS e Chega, na Madeira [na preferência dos eleitores – n.d.r). Se, depois, olharmos para o parlamento e só estiverem o PSD e o PS, uma parte grande do eleitorado ficaria sem representação. E acho que as pessoas não gostam disso. Estou convencido de que os próprios juízes da Madeira, quer os juízes do Tribunal Constitucional, são sensíveis a isso, porque o princípio, acima de todos eles, é o princípio democrático”, avisou o líder do Chega.
A visita de Marcelo Rebelo de Sousa à Ucrânia, “justificou-se plenamente”, com o apoio de Portugal à sua integração na União Europeia
Já em relação à visita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, à Ucrânia, onde defendeu, uma vez mais, que Portugal apoia sem qualquer margem de dúvida, a integração daquele país na União Europeia, André Ventura confessou rever-se nessas palavras. “Sim, sem de dúvida. Já tive oportunidade de dizer (na quarta-feira numa conferência de imprensa) que nós temos sido muito críticos em viagens presidenciais, votando até contra muitas viagens, que entendemos que são uma perda de dinheiro público, quando vamos inaugurar galerias a um sítio qualquer e coisas parecidas. Acho que esta viagem (à Ucrânia) se justificou plenamente, acho que Portugal está do lado certo e nós saudámos a presença do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Na Ucrânia, acho que nos representou a todos.” E numa ‘bicada’ ao PCP, observou: “Infelizmente, temos um partido que votou contra essa viagem, não por motivos que nós costumamos apontar de despesismo, mas porque estruturalmente e politicamente, entende que o presidente não deve estar na Ucrânia, devia estar, talvez, na Rússia.”
“Sei o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa disse que é irrelevante [a morte do líder do grupo mercenário ‘Wagner’, na queda de um avião em na Rússia]. Eu não acho que seja irrelevante. Acho que mostra o que é a luta entre o bem e o mal. E quando há uma luta entre o bem e o mal, nós temos de estar do lado do bem, não do lado do mal.”
No tocante aos acontecimentos registados nos últimos dias na Rússia, nomeadamente a morte do líder do Grupo (mercenário) Wagner (Yevigeny Prigozhin, na queda de uma aeronave, na qual seguiam dez ocupantes, e que tanta polémica está a suscitar, admitindo-se um atentado provocado pelo regime do presidente russo, Vladimir Putin- n.d.r), André Ventura notou: “Sei que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa disse que é irrelevante. Eu não acho que seja irrelevante. Acho que mostra o que é a luta entre o bem e o mal. E quando há uma luta entre o bem e o mal, nós temos de estar do lado do bem, não do lado do mal.”
(…) «estes indivíduos (os incendiários) têm de estar na cadeia. Responderam-nos: «ah!!!… isso não pode ser assim, temos de ter um dever compreensivo para com as pessoas». Agora, vejo nos órgãos de comunicação social, que indivíduos que já tinham posto fogo três vezes, voltaram a pegar fogo à mata, a destruir vidas, a matar pessoas, animais, bens, etc.”
Por outro lado, André Ventura insistiu que “os últimos anos têm mostrado bem a razão da necessidade do Chega”. “Nós temos sido o partido, que é, antes de mais, a vítima do cordão sanitário dos outros. O Chega não conseguiu sequer eleger um vice-presidente na Assembleia da República, sendo o terceiro partido mais votado. Não consegue ter um membro no Conselho de Estado, não consegue ter membros nas instituições, porque os outros partidos não deixam. E não deixam porque o Chega tem uma mensagem disruptiva em relação a isso”, frisou.
“Lembro-me de um problema que estamos a enfrentar agora: os incêndios. Passei um ano (desde) Novembro, Dezembro, quando chovia, a dizer: «estes indivíduos (os incendiários) têm de estar na cadeia. Responderam-nos: «ah!!!… isso não pode ser assim, temos de ter um dever compreensivo para com as pessoas». Agora, vejo nos órgãos de comunicação social, que indivíduos que já tinham posto fogo três vezes, voltaram a pegar fogo à mata, a destruir vidas, a matar pessoas, animais, bens, etc.”, reagiu, em tom revoltado, André Ventura.
“… o Chega é um partido indispensável à democracia e isso reforça o argumento de que não há nenhum tribunal que possa, com legitimidade, apagar o Chega do sistema político português. Ele existe, está aí!”
Em seguida, na luta contra a corrupção, recordou: “temos feito disto uma batalha central do sistema político português. Somos os únicos que insistem em levar (por diante) o tema, quando todos querem desviar para discutir bidés, sanitas e coisas parecidas…” E insistiu: “Acho que isto demonstra bem que o Chega é um partido indispensável à democracia e isso reforça o argumento de que não há nenhum tribunal que possa, com legitimidade, apagar o Chega do sistema político português. Ele existe, está aí! Mas, insisto, qualquer ataque que existisse propositado nesse sentido, seria um péssimo serviço à democracia e um risco para a democracia.”
“O partido não pode fechar-se sobre si próprio. Tem de dar resposta aos problemas das pessoas. Esse é o nosso desafio (…) somos, hoje, o terceiro partido, queremos liderar a oposição para poder confrontar o governo e não vamos desistir disso. E não é nenhum outro órgão que nos vai impedir de fazer isso.”
– Que mensagem traz, agora, para os militantes do partido?
“O partido não pode fechar-se sobre si próprio. Tem de dar resposta aos problemas das pessoas. Esse é o nosso desafio. O partido continua numa série de processos internos e plataformas internas, vai haver eleições nas distritais. A mensagem que trago é que somos, hoje, o terceiro partido, queremos liderar a oposição para poder confrontar o governo e não vamos desistir disso. E não é nenhum outro órgão que nos vai impedir de fazer isso. Vamos, novamente, pedir ao partido, porque assim tem de ser, a realização de uma sexta convenção e acho que todos percebem o que isso significa. Um partido que, em quatro anos, tem de ter seis congressos nacionais, é pura perseguição, volto a sublinhá-lo. É uma perseguição a um partido democrático. E a mensagem que trago é: preparem-se, vamos à luta e vamos continuar esta luta até ganharmos. No final, tenho a certeza de que ganharemos.”
“O Papa Francisco ainda não me respondeu à carta que lhe enviei” (…) “mas espero que responda” – disse André Ventura ao ‘Litoralgarve’
– Já obteve alguma resposta por parte do Papa Francisco (ao pedido de desculpas por não ter estado presente na receção ao líder da Igreja Católica, no Centro Cultural de Belém, durante a Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa? – n.d.r.) – perguntou o repórter do ‘Litoralgarve’
– Não, não. O Papa Francisco ainda não me respondeu à carta que lhe enviei.
– Mas espera que responda…?
– Espero que responda. E quando responder, serão (os jornalistas) os primeiros a saber, exceto o que forem questões pessoais, que acho que não devo divulgar.
(Em atualização)
Imagens de Luís Silva, da SIC, cedidas ao ‘Litoralgarve’