O segredo de Carlos Cabral, antigo campeão de atletismo, no seu livro agora lançado em Lagos: “A minha forma de correr era «partir a matar e chegar a morrer», com a certeza da surpresa que causava aos adversários”

O auditório do edifício dos Paços do Concelho de Lagos Século XXI ficou lotado, com a presença de mais de uma centena de pessoas, na manhã do passado sábado, dia 28 de Outubro, para assistir à apresentação do livro «Carlos Cabral – 50 anos de glórias desportivas – Pernas para que vos quero». Nesta homenagem, promovida pela câmara local e integrada no programa das comemorações do Dia da Cidade, compareceram várias figuras, entre desportistas, o director regional no Algarve do Instituto Português do Desporto e da Juventude, ex-autarcas, familiares do autor da publicação e antigos colegas. Pelo meio, surgiu uma emocionante viagem ao passado de Carlos Cabral, que conquistou muitos títulos, regionais, nacionais e internacionais, além de recordes, pelo Esperança de Lagos e Sporting Clube de Portugal, entre outros emblemas. O antigo atleta e treinador foi, agora, reconhecido na sua terra-natal, com um livro que entra na história de Lagos, a merecer reflexão.

Manuela Lobato

José Manuel Oliveira

Com mais de 120 de pessoas no auditório do Edifício dos Paços do Concelho de Lagos Século XXI, foi apresentado, durante a manhã do passado sábado, dia 28 de Outubro de 2023, o livro do antigo atleta «Carlos Cabral – 50 anos de glórias desportivas – Pernas para que vos quero», no âmbito das comemorações do Dia da Cidade, em honra do seu padroeiro, São Gonçalo.

Na cerimónia, presidida por Hugo Pereira, presidente da Câmara Municipal de Lagos, estiveram presentes, entre outras figuras públicas, a vereadora Sandra Oliveira, o deputado na Assembleia Municipal José Manuel Freire, o presidente da Junta de Freguesia de São Gonçalo de Lagos, Carlos Saúde, os antigos presidentes socialistas do executivo camarário, José Alberto Baptista e Júlio Barroso (o social-democrata José Valentim Rosado e a socialista Joaquina Matos, atual presidente da Assembleia Municipal de Lagos, não puderam comparecer por motivos de força maior), o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lagos, Fernando Graça (conhecido por ‘Nani’), o atleta olímpico Rui Silva, Ezequiel Canário, o técnico de atletismo Lara Ramos e o diretor do Instituto do Desporto e Juventude, no Algarve, José Custódio Moreno. A esposa, Zélia Cabral, filhos e netos, do antigo campeão de atletismo, Carlos Cabral, pelo Clube de Futebol Esperança de Lagos e Sporting Clube de Portugal, também marcaram presença neste evento, que se prolongou durante mais de uma hora. No final, o homenageado, de fato e gravata, que não escondeu a sua emoção durante a cerimónia, nem teve mãos a medir para distribuir os livros com a sua biografia, previamente autografados, oferecidos pelo município de Lagos.

“O tempo passou, reformámo-nos, o Carlos começou a lembrar os tempos antigos… e eu disse-lhe: porque não escreves um livro?”

Foi o conhecido arquiteto Santa Rita, antigo colega de Carlos Cabral na Câmara Municipal de Lagos, onde, na altura, o atleta era desenhador, quem, quando se reformaram, o incentivou a escrever este livro. “O tempo passou, reformámo-nos, o Carlos começou a lembrar os tempos antigos… e eu disse-lhe: porque não escreves um livro? Pega num papel e escreve as tuas memórias. Comecei a incentivá-lo e ele levou a coisa a peito, assim o fez e muito bem”, destacou Santa Rita.

José Custódio Moreno, diretor no Algarve do Instituto Português do Desporto e Juventude: “É o atleta que, no Algarve, já ganhou tudo (…) É uma referência para todos os desportistas (…). Foi Moniz Pereira [antigo treinador de atletismo] quem o descobriu e o levou para o Sporting Clube de Portugal”

Emocionado, Carlos Cabral foi ouvindo elogios. E ainda mais emocionado ficou quando o director regional no Algarve do Instituto Português do Desporto e Juventude, José Custódio Moreno, disse que este livro e a homenagem prestada representam “um grande momento para Lagos.” “Carlos Cabral é amigo do seu amigo, um amigo de coração, aberto para toda a gente”, assumiu aquele dirigente, falando de improviso.

Já ao nível desportivo, sublinhou que Carlos Cabral “é o atleta que, no Algarve, já ganhou tudo.” No atletismo e não só. “Em 1969, foi campeão do Algarve, como guarda-redes de futebol no Esperança de Lagos”, recordou, acrescentado o facto de, também, se ter dedicado ao ciclismo. “É uma referência para todos os desportistas no Algarve!”, reforçou José Custódio Moreno, destacando, igualmente, a “simplicidade” de Carlos Cabral como atleta e pessoa, numa altura em que se tornou visível a emoção estampada no rosto do antigo campeão, que, mesmo assim, conseguiu conter as lágrimas.

Antes de concluir a sua intervenção, a mais longa entre os oradores, o director regional no Algarve do Instituto Português do Desporto e Juventude agradeceu a Carlos Cabral o “muito valioso” contributo dado enquanto desportista e ainda lembrou que “foi Moniz Pereira [antigo treinador de atletismo leonino] quem o descobriu e o levou para o Sporting Clube de Portugal.”

Por sua vez, o presidente da Câmara Municipal de Lagos, Hugo Pereira, após também ter agradecido a Carlos Cabral e justificado esta homenagem, com o percurso realizado, deu enfase aos muitos títulos conquistados pelo antigo atleta, entre os quais o de vice-campeão Ibero-Americano, nos 1.800 metros, em 1983.

No serviço militar obrigatório, como alfares, viveu por ‘dentro’ a Revolução do 25 de Abril de 1974. Agora, tem no teatro, também, uma paixão

Neste livro, com 107 páginas, lançado pela autarquia lacobrigense, Carlos Cabral, natural de Lagos e hoje com 71 anos de idade, recorda, em vários capítulos, a sua infância, uma década no Sporting Clube de Portugal, o regresso ao Clube de Futebol Esperança de Lagos, a sua entrada nos veteranos, em 1992, a inauguração da pista de atletismo com o seu nome e a exposição permanente de troféus no Estádio Municipal de Lagos, e os tempos livres, em que se dedica, à representação em teatro, além de “notas soltas (para reflexão).” Também não esquece o cumprimento do serviço militar obrigatório e “a disponibilidade, com o posto de Alferes”, de ter “tido oportunidade de viver o 25 de Abril e o que lhe seguiu por ‘dentro’ ”.

Detentor, ao longo da sua carreira, de vários recordes pessoais absolutos, Carlos Cabral descreve, neste livro, ter sido trinta vezes internacional em pista coberta e em corta-mato, ao serviço do Sporting Clube de Portugal, além da conquista de provas nacionais em 800, 1.000 e 1.500 metros e uma milha; três internacionalizações em juniores, a participação na Taça da Europa, nos 400, 800 e 4×400 metros, e nove encontros internacionais, em Marrocos, Itália e no Canadá, entre outras proezas. Com Carlos Lopes, Fernando Mamede e Aniceto Simões, Carlos Cabral exibe a foto, juntamente com o professor Moniz Pereira, treinador do Sporting Clube de Portugal, de campeões da Europa de Corta Mato – 1977.

Saturado de “décadas em Lisboa, com treinos, e do trânsito, ansiava por alguma tranquilidade” e “voltei para Lagos para prosseguir a minha carreira de atleta e treinador de atletismo”, a convite do então presidente da Direção do Clube de Futebol Esperança de Lagos, Armando Castelo Branco

Vice-campeão nacional do Dardo, em 1977, sagrou-se, também, campeão nacional recordista triplo de jovens, em 1.500 metros, no ano de 1969. Foi campeão de decatlo (competição de atletismo composta por dez provas) e no meio-fundo em corta-mato.

Representou o Clube de Futebol Esperança de Lagos, entre 1968 e 1979, e esteve, numa primeira fase, no Sporting Clube de Portugal, de 1970 a 1979. Nestes dois clubes, passou entre 1980, 1981, 1982, 1983, 1984 e 1986. Mas para o regresso, em 1979, à sua terra-natal, onde ficou a trabalhar como desenhador na Câmara Municipal, Carlos Cabral não esquece a influência do presidente da Direção do Clube de Futebol Esperança de Lagos, na altura, o empresário Armando Castelo Branco, então proprietário de um parque de campismo. Confessando-se saturado por “décadas em Lisboa, com treinos, e do trânsito, ansiava alguma tranquilidade” na vida. Por isso, “voltei para Lagos para prosseguir a minha carreira de atleta e treinador de atletismo”. O então responsável dessa modalidade do clube era “Silvestre Ferro, conhecido alfaiate”, nesta cidade e “o coordenador da seção, António Marreiros.” “A equipa de atletismo partilhava com a do futebol o autocarro do clube”, lembrou Carlos Cabral, não esquecendo, também, o então “roupeiro Chico Galinha, que tão bem dobrava os equipamentos.” Nessa época, Cabral contribuiu para o surgimento de “150 atletas, desde o escalão infantil ao sénior”, tendo tido “Paulo Ferro como auxiliar.” 

Já em 1987, o antigo campeão foi atleta do Grupo Desportivo da Penha, na cidade de Faro.

Na fase final da carreira houve, ainda, oportunidade para o ciclismo. “Desses tempos, ficaram a marca de algumas quedazitas inevitáveis naquela modalidade.”

Ao longo da sua carreira como funcionário da Câmara Municipal de Lagos, Carlos Cabral foi agraciado com a Medalha de Ouro e a Medalha de Prata, bem como com o grau de Mérito Municipal. No Estádio Municipal, em 2005, foi inaugurada a pista de atletismo com o seu nome e, em 2015, uma exposição permanente, apresentando todo o historial desportivo de mais de meio século, onde o público pode apreciar todos os seus troféus. 

Já no final da sua carreira desportiva, dedicou-se ao ciclismo, com duas Voltas ao Algarve, organizadas pelo INATEL – Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres. Nessa altura, representou a União Desportiva Sambrazense, de São Brás de Alportel, e o Clube Desportivo de Lagoa. “Desses tempos, ficaram a marca de algumas quedazitas inevitáveis naquela modalidade desportiva”, recorda, no seu livro, em tom de brincadeira.

Treinador de atletismo do filho mais novo, Joaquim Cabral

Nesta autobiografia, o atleta lacobrigense destaca o seu filho mais novo, Joaquim Cabral, de quem foi treinador em várias disciplinas e diversos escalões em atletismo, em jeito de alusão à velha frase «filho de peixe sabe nadar.»

Um outro filho, também Carlos Cabral, nascido em 1982 e desportista de salto em altura, é licenciado em Educação Física pela Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa. Neste momento, desempenha a sua actividade profissional na empresa municipal ‘Lagos Em Forma’, com sede no complexo desportivo desta cidade, onde estão situados o pavilhão e a piscina municipais.

“Quando eu era atleta, ela [a esposa] puxava muito por mim. Foram tempos de muito orgulho”

Carlos Cabral foi pai, pela primeira vez, em 1972, de uma menina, Susana, e também não lhe poupa elogios: “Ela é uma das melhores atletas do país, nos 800 e 1.500 metros, no Sporting Clube de Portugal.” E em tempo de homenagem, destaca, igualmente, a sua esposa, Zélia Cabral, também ela atleta e atualmente diretora do Lar e Centro de Dia Rainha Dona Leonor, da Santa Casa da Misericórdia de Lagos. “Quando eu era atleta, ela puxava muito por mim. Foram tempos de muito orgulho”, para ambos, reconhece Carlos Cabral, que na sua obra desvenda o segredo para o sucesso durante a longa carreira desportiva: “A minha forma de correr era «partir a matar e chegar a morrer», com a certeza da surpresa que causava aos adversários, como pela forte ponta final, resultante, na maior parte das vezes, de alcançar boas classificações e saborosas vitórias.”

Comprar alcagoitas e grãos torrados para comer a ver filmes sobre aventuras no Cine Teatro Império de Lagos

Nestas suas memórias, Carlos Cabral também recorda os tempos em que tomava conta de uma loja de reparação de electrodomésticos, em Lagos, e que as moedas que recebia como gratificação, lhe “davam para comprar alcagoitas e grãos torrados, e instalar-me para comer no Cine Teatro Império para vibrar com filmes sobre aventuras.”

Jogava aos matraquilhos e ao bilhar na sede do Clube de Futebol Esperança de Lagos e seguiu um curso de carpinteiro e marceneiro na Escola Comercial e Industrial, nesta cidade

Ao recuar ao seu tempo de infância, lembra a sede do Clube de Futebol Esperança de Lagos (edifício onde, hoje, funciona, durante noite, um bar com a dança do varão), na Praça Luís de Camões, situada no centro da cidade. Era ali onde Carlos Cabral “jogava aos matraquilhos e ao bilhar”. Um local em que trabalhava o “Ti Cabrita, filho de Carlos Cabrita”, antigo futebolista internacional, que jogou no Sporting Clube Olhanense, entre outros emblemas nacionais e estrangeiros, tendo sido mais tarde, treinador, nomeadamente no Sport Lisboa e Benfica, na seleção portuguesa e no Raja Casablanca, de Marrocos, onde conquistou, na época de 1987/88, o primeiro título de campeão nacional deste clube do norte de África.

Carlos Cabral frequentou a Escola Primária do Bairro Operário, em Lagos, desde a primeira à quarta classe, e nesta viagem ao passado não esqueceu que foi aluno dos “professores Cabrita, Abreu e Crisanto”. Mais tarde, já em 1969, na antiga Escola Comercial e Industrial de Lagos, seguiu um curso profissional de carpinteiro e marceneiro.

“Numa prova de atletismo, um outro concorrente pisou-me um calcanhar, a sapatilha saltou-me do pé e, mesmo descalço, continuei a correr”

Ainda lembra o par de sapatilhas brancas da marca ‘Sanjo’, que se usava nas aulas de ginástica na escola, e que “muitos anos depois ficaram na moda.” “Numa prova de atletismo, um outro concorrente pisou-me um calcanhar, a sapatilha saltou-me do pé e, mesmo descalço, continuei a correr”. Um rol de recordações que o público terá oportunidade de acompanhar com a leitura de «50 Anos de Glórias Desportivas», no livro que apresenta, na capa, a foto de Carlos Cabral quando era atleta do Sporting e a frase «Pernas para que vos quero». Esta publicação, ‘equipada’ de verde, conta com prefácio do presidente da Câmara Municipal de Lagos, Hugo Pereira, que cita o poeta Fernando Pessoa, foi editada por esta autarquia e tem ‘design’ editorial a cargo de Paula Gonçalves (Doublebun – Creative Agency), num um total de 500 exemplares impressos na Gráfica Ossónoba, em Estói, no concelho de Faro.

“Ninguém conquista a realização de um sonho, sozinho (…) Que este livro vos possa inspirar a nunca desistirem dos vossos sonhos”

As fotos pertencem ao arquivo pessoal de Carlos Cabral, que também não esqueceu uma imagem quando era criança, vestido de branco, bem como a do pai, Alberto Cabral, e da mãe, Maria Teresa, além da casa onde nasceu, situada na antiga Rua da Porta Pequena, atualmente Rua dos Ferreiros, em Lagos (numa esquina cá em baixo). “Ninguém conquista a realização de um sonho sozinho, por isso dedico este livro a todos os que acreditaram em mim e me apoiaram direta e indiretamente. Que este livro vos possa inspirar a nunca desistirem dos vossos sonhos. Com um enorme obrigado, Carlos Cabral”, pode ler-se, a abrir, precisamente na página em que o autor e antigo desportista aproveitou para o autógrafo da praxe.