“A imagem do fogo é muito positiva”, nomeadamente mostrar “como ficou a zona, preta, negra” depois de ardida, e “o que acontece às pessoas”. “Explorar um ano depois e conseguir [esse trabalho] é fundamental”, defendeu aquela especialista da PJ durante o “‘workshop’ sobre incêndios rurais – do jornalista ao cidadão”, promovido, em formato ‘online’, a partir de Lisboa, pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e outras entidades, com a presença de representantes de órgãos de comunicação social de todo o país.
Uma forma de resolver problemas, com vingança e raiva, de tentar marcar uma posição, entre discussões, alcoolismo, problemas familiares e sociais, além de baixo nível de interligação escolar e social, e fraca interligação na comunidade em geral, em que muitos indivíduos são solteiros e revelam incapacidade de constituir família. Estas são algumas das características do comportamento dos incendiários florestais no contexto da realidade portuguesa, com dados de 2019 e 2020, apontadas pela inspetora do Gabinete de Psicologia e Seleção do Instituto de Polícia Judiciária (PJ) e Ciências Criminais Cristina Soeiro, na sexta-feira, dia 28/05/2021, durante o «‘workshop’ sobre incêndios rurais – do jornalista ao cidadão», organizado, em formato ‘online’, a partir de Lisboa, e dirigido aos órgãos de comunicação social.
Tratou-se de uma iniciativa conjunta da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, do Instituto de Conservação da Natureza e da Florestas, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, da Guarda Nacional Republicana e da Polícia Judiciária.
“A imagem do fogo causa algum tipo de atração”
“A imagem do fogo causa algum tipo de atração”, nomeadamente nos adultos, salientou aquela responsável da PJ, acrescentando que “o fogo acaba por ser uma forma de comunicação”.
Depois de destacar que o intuito do fogo rural representa uma “forma de resolver problemas do dia-a-dia” como motivação por parte dos incendiários, além de “alcoolismo”, Cristina Soeiro alertou para o “impacto das imagens”. Trata-se de uma “motivação emocional, esse comportamento é uma questão de resposta para resolver problemas da pessoa”, referiu.
Nesta mensagem dirigida a jornalistas que acompanham incêndios florestais, a investigadora da PJ fez questão de insistir que “a imagem do fogo é muito positiva”, nomeadamente para mostrar “como ficou a zona, preta, negra” depois de ardida, e “o que acontece às pessoas”. “Explorar um ano depois e conseguir [esse trabalho] é fundamental”, sublinhou Cristina Soeiro, apontando para a necessidade de “não banalização” das imagens na comunicação social, já que “a mensagem provoca impacto”.
“Estamos na presença de indicadores de doença mental, indicadores de depressão”

No ano de 2020 foram identificados 87 suspeitos de fogo posto, na sua maioria do sexo masculino. Segundo aquela psicóloga forense e investigadora do Instituto de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, os “problemas familiares e sociais” dos incendiários, que dessa forma procuram uma “resposta de vingança, tentar marcar uma posição”, com discussões à mistura, são alguns dos aspetos que contribuem para este tipo de crime. Apresentam “fracas competências sociais, baixo nível de interligação escolar e social, dificuldade em resolver problemas sociais e fraca interligação na comunidade em geral”, a que se junta o facto de muitos serem “solteiros e incapazes de constituir famílias”. “Estamos na presença de indicadores de doença mental, indicadores de depressão” nos incêndios florestais, frisou.
“46 por cento dos agressores não conhecem os proprietários dos terrenos que incendeiam” e depois até “ficam a observar o fogo, ou ajudam a combatê-lo”. “Nas características do crime de incêndio, os homens têm atração do aparato dos bombeiros”
Já a “piromania tem pouca representatividade neste tipo de situações”, notou Cristina Soeiro, adiantando que “46 por cento dos agressores não conhecem os proprietários dos terrenos que incendeiam” e depois “até ficam a observar o fogo, ou ajudam a combatê-lo”. “Nas características do crime de incêndio, os homens têm atração do aparato dos bombeiros”, referiu aquela investigadora da PJ, reforçando a ideia de que se trata de um problema de “saúde mental”. “Oitenta por cento têm mais motivação emocional, resolver um problema concreto”, assegurou Cristina Soeiro, acrescentando verificar-se, também, “motivação instrumental”, sobretudo com pessoas a partir dos 65 anos de idade, embora “menos frequente”, e “motivação expressiva (alcoolismo)”, incidindo “mais em jovens com idade inferior a 20 anos” e adultos com “menos de 40 anos, mas solteiros e a viverem com familiares”. A motivação expressiva inclui, igualmente, indivíduos dos “41 / 64 anos, divorciados e consumidores de álcool”, notou.
Até 12 anos de prisão
Por outro lado, o coordenador da PJ na Diretoria do Norte, Pedro Silva, numa comunicação sobre a investigação criminal dos incêndios dolosos, lembrou que até oito anos de prisão e de três a 12 anos de cadeia são molduras penais para fogos postos em terrenos florestais, matas. “O local do crime é um espaço delimitado que é objeto de inspeção judiciária”, assinalou aquele responsável, salientando que a sua preservação é indispensável para evitar “ameaças aos vestígios não contaminados da prova para a apresentar em julgamento”.
“Há 442 corpos de bombeiros e 30.000 bombeiros que estão no ativo para serem mobilizados”, diz André Fernandes, da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil
Já o comandante André Fernandes, da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, recordou que existem 411 associações humanitárias de bombeiros, em Portugal, 16 Municipais, sete Sapadores Florestais e oito privadas, pertencentes a empresas. “Há 442 corpos de bombeiros e 30.000 bombeiros que estão no ativo para serem mobilizados”, observou André Fernandes. Sobre a ajuda internacional, lembrou acordos bilaterais com Espanha, França e Rússia, a que se juntam organizações internacionais como a NATO e a ONU (Nações Unidas). A ajuda internacional, na articulação com Espanha, inclui, nomeadamente, aviões ‘Canadair’. “Quando, nas fronteiras, num limite de 20 quilómetros e até 25 quilómetros, surge uma coluna de fumo, não interessa se é do lado espanhol ou português. É para atuar, nomeadamente com aviões ‘Canadair’ ”, sublinhou aquele dirigente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. De 1 a 30 de Junho de 2021, os bombeiros estão preparados com 9.679 elementos e 2.230 equipas no país.
Em incêndios florestais e agitação marítima, surgem “pessoas que não tomam medidas de auto-proteção e vão fazer vídeos e fotos para as redes sociais”

Depois de referir que, nos incêndios rurais, “98 por cento das ocorrências resolvem-se na Fase I”, na qual, tal como na II, não existem postos de comando, mas apenas comandantes de corpos de bombeiros, ou de um graduado a liderar as operações, tratando-se de uma “fase imediata, com ataque inicial de 40 minutos” e podendo prolongar-se por “uma hora e 30 minutos”, André Fernandes chamou a atenção para o facto de, em situações de fogos florestais e agitação marítima, haver “pessoas que não tomam medidas de auto-proteção e vão fazer vídeos e fotos para as redes sociais”, pelo que ignoram os riscos a que estão sujeitas.
Neste ‘whorshop’ dirigido aos órgãos de comunicação social, uma das queixas apresentadas por jornalistas residiu nos “problemas com a GNR que não deixa passar para chegar ao posto de comando”, e isto numa altura em que “a imagem conta para revelar o que se passa no momento”. Por sua vez, aquele representante da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil considerou ser necessário “tirar imagens em segurança” e defendeu aquilo que, na sua perspetiva, é uma “comunicação com coerência, não com pânico”. É preciso “melhor articulação para chegar ao posto de comando”, reconheceu o comandante André Fernandes, insistindo na necessidade de “cultura de segurança”. E voltou a lamentar que muitas vezes as pessoas se desloquem para junto da orla costeira, a fim de ver a agitação marítima, ou de terrenos florestais, em chamas, “quando dizemos para ficarem em casa, para se auto-protegerem”.
Balanço sobre o Verão com a comunicação social em Novembro de 2021
Após outras intervenções, Sara Otero, da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, destacou ser preciso “valorizar os nossos espaços rurais, modificar comportamentos” e, numa mensagem aos jornalistas, “aqui entra a comunicação de risco e o vosso grande trabalho naquilo que é a possibilidade de passar uma boa informação”. O objetivo é voltar a marcar presença com os órgãos de comunicação social, para um balanço, “no final do ano, talvez Novembro, para recolhermos o que é que correu melhor, quais foram as dificuldades, em que é que nós podemos melhorar e no que é que nos podemos focar por vezes para fugirmos a este tema da época, que é o dos incêndios”. “Mas durante todo o ano como é que nós podemos ser úteis, cada um de nós dentro daquilo que é a nossa área profissional, para que possamos acrescentar valor à comunicação, à sensibilização e à mobilização dos cidadãos e de todos para que este problema seja claramente transcendido”, concluiu Sara Otero.
Agosto com 40 graus será “mais quente do que o normal”

“O Verão vai ser mais quente do que o normal, com temperaturas a ultrapassar os 40 graus” centígrados, avançou Ilda Novo, sobre a previsão meteorológica a longo prazo “para Agosto de 2021”. Ilda Novo, meteorologista do Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA), falava, no dia 21/05/2021, no início do ‘workshop sobre incêndios rurais – do jornalista ao cidadão”, organizado, em formato ‘online’, a partir de Lisboa.
“Apenas três por cento” da floresta é pública e “mais de 20 por cento dos terrenos não têm donos, ou estes são desconhecidos”
“Portugal é um dos países do mundo com menos floresta pública. Apenas três por cento” está nessa situação, “a menor a nível da Europa”, disse o engenheiro João Pinho, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). “Mais de 50 por cento dos proprietários dos terrenos não têm registo cadastral. Mais de 20 por cento dos terrenos não têm donos, ou estes são desconhecidos. Há 1.172 baldios”, acrescentou aquele especialista.
“A nossa floresta é muito mais diversa do que a de outros países, como a Suécia, a nível europeu”, observou João Pinho, acrescentando que, “em tempo de crise, a floresta sempre foi um fator de emprego”.
“É difícil manter comportamentos que não são de risco”
“Uma máquina agrícola, num dia de muito calor, um cigarro mal apagado. É difícil manter comportamentos que não são de risco”, reconheceu aquele responsável do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. O custo social dos incêndios em 2017 atingiu 1,600 milhões de euros. “O fogo sempre esteve presente na nossa História”, notou João Pinho, destacando a existência de 1.807 equipas de sapadores florestais.
Penas de prisão para quem está envolvido em incêndios florestais
Ao abrigo do Código Penal, “quem impedir o combate aos incêndios será punido com um a oito anos de prisão. Quem dificultar a extinção, destruindo ou tornando inutilizável o material destinado a combater incêndio, será punido com um a cinco anos”, lembrou o major Ricardo Alexandre Vaz Alves, da Guarda Nacional Republicana (GNR). Entre outras penas, um a oito anos de prisão é também a moldura penal para quem criar perigo para a vida de outra pessoa, ou para bens patrimoniais, ao provocar um incêndio florestal. A GNR tem 87 equipas de Proteção da Natureza e do Ambiente e, para ataque inicial e ampliado aos incêndios rurais, 40 Centros de Meios Aéreos distribuídos pelo país.
230 postos de vigia e 920 operadores
Já o coordenador da GNR Ricardo André Vilhena Samouqueiro apontou para a existência de 230 postos de vigia e 920 operadores. “Há 77 postos de vigia da rede primária e 153 da rede secundária. Em 2018, foram dados 3.393 alertas” e em 2020, a vigilância móvel incluiu 53.434 patrulhas.
José Manuel Oliveira