“A cidade de Lagos está no mapa do mundo dos Descobrimentos e nunca mais foi a mesma graças à passagem desse senhor por aqui”, sublinhou Artur de Jesus, lamentando não terem comparecido mais pessoas nesta homenagem ao Infante Dom Henrique, junto à sua estátua, onde foi colocada uma coroa de flores amarelas do município. “Os Descobrimentos Marítimos Portugueses foram a primeira Internet do mundo”, defendeu aquele investigador.
José Manuel Oliveira
Pouco antes das 18.00 horas da passada segunda-feira, dia 13 de Novembro de 2023, enquanto quatro jovens se divertiam a circular de bicicleta e até erguendo os veículos, com os chamados ‘cavalinhos’, numa zona pedonal e pouco iluminada, em frente à Igreja de Santa Maria, em Lagos, com perigo para quem ali passava a pé e perante a passividade da Polícia Municipal, que se encontrava numa viatura, cerca de duas dezenas de pessoas aguardavam o início da cerimónia de homenagem ao Infante D. Henrique, pelos 563 anos sobre a sua morte, junto à estátua do navegador. A temperatura atingia os 18 graus centígrados.
Entre os presentes, na sessão, estavam o investigador de História e funcionário do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Lagos, Artur de Jesus, a presidente da Assembleia Municipal, socialista Joaquina Matos, os vereadores do executivo camarário local Luís Bandarra e Sandra Oliveira, também do PS, Pedro Moreira, do PSD, e Alexandre Nunes, da CDU, a coligação liderada pelo Partido Comunista Português, bem como Carlos Saúde (PS), presidente da Junta de Freguesia de São Gonçalo de Lagos, e os deputados municipais Paulo Morais e José Jacomé, do mesmo partido.
O capitão do porto de Lagos, Hugo Bravo da Guia, e elementos do Núcleo local da Liga dos Combatentes, empunhando duas bandeiras da instituição, foram outras figuras que se associaram à cerimónia de homenagem ao Infante D. Henrique, além de alguns populares. Pelas 17h.59m., surgiu o padre Nelson Rodrigues, que meia-hora depois celebrou a habitual missa na Igreja de Santa Maria, evocando, desta vez, igualmente, o Infante D. Henrique, como constava do programa.
Coroa de flores amarelas, embrulhada num papel, com uma fita, e a dedicatória: «Sentida Homenagem do Município de Lagos ao Infante D. Henrique»
Pelas 18h.03m, foi depositada, junto à estátua do navegador, uma coroa de flores amarelas, embrulhada num papel e com uma fita, em que se podia ler: «Sentida Homenagem do Município de Lagos ao Infante D. Henrique». Ouviram-se aplausos. No dia em que se assinalaram 563 anos sobre a data do seu falecimento, poder-se-á dizer que faltou um minuto de silêncio em memória do principal impulsionador dos Descobrimentos Marítimos Portugueses.
Em seguida, os participantes nesta cerimónia escutaram uma autêntica lição de História a cargo do investigador Artur de Jesus, acerca da epopeia dos Descobrimentos Marítimos Portugueses, sob a égide do Infante D. Henrique, e com navegadores naturais de Lagos e outras figuras envolvidos.
O papel de Bartolomeu Dias, no Cabo das Tormentas, que veio a ser conhecido por Cabo da Boa Esperança, e a figura de Gil Eanes, natural de Lagos e que dobrou o Cabo Bojador
Falando de improviso, num discurso claro, objectivo e bem estudado, recordou que esta cidade faz parte da “primeira região geoestratégica do mundo”, numa nova realidade com África, a sul da Mauritânia, “que era desconhecida durante o século XV.”
O orador lembrou a partida das caravelas de Lagos, sob a orientação do Infante D. Henrique, “a desbravar mares”, com a descoberta, numa primeira fase, da Madeira, de Angola, Cabo Verde e até à Serra Leoa, assim como o papel do navegador “Bartolomeu Dias, no Cabo das Tormentas”, que veio a ser conhecido por “Cabo da Boa Esperança”, e, nomeadamente, a chegada ao Congo. Também em destaque, como, de resto, não podia deixar de ser, foi a evocação da figura do navegador Gil Eanes, natural de Lagos, que passou o Cabo Bojador, em África, no ano de 1434, e que teve direito a uma estátua no local que mais tarde viria a designar-se Jardim da Constituição de 1976, junto às muralhas do antigo Castelo dos Governadores, nesta cidade, e onde até há pouco tempo funcionou o hospital.
«Maldita a coragem de desprezar os homens corajosos»
Depois de referir que “houve viagens não registadas, mas que existiram” durante a época dos Descobrimentos Marítimos Portugueses, o investigador de História Artur de Jesus destacou D. Sebastião e D. Vasco da Gama, assim como a “aventura em 1543”, na descoberta do Brasil, além do Uruguai, Timor, Macau, Índia e Japão. E aproveitou para enaltecer, igualmente, a figura do “Chefe de Estado D. João II”. A certa altura, em homenagem ao Infante D. Henrique, recordou a frase de um pensador, em 1543, ao dizer «maldita a coragem de desprezar os homens corajosos».
A importância da baía de Lagos ao ter capacidade para abrigar do vento norte dezenas de embarcações
“A cidade de Lagos está no mapa do mundo dos Descobrimentos e nunca mais foi a mesma graças à passagem desse senhor por aqui”, sublinhou Artur de Jesus, numa alusão ao Infante D. Henrique, reconhecendo, no entanto, que “não damos grande valor” a essa situação. Ao mesmo tempo, salientou a “infraestrutura importante, com condições geográficas, que representa a baía de Lagos”, ao ter capacidade para abrigar dezenas de embarcações e “abrigá-las de ventos norte.”
“A Europa não conhecia as especiarias como conhece hoje”, com os produtos à venda nos supermercados nesta altura
Por outro lado, aquele investigador de História e funcionário da Câmara Municipal de Lagos, durante o seu discurso junto à estátua do Infante D. Henrique, vincou a importância do “comércio das especiarias, o nosso negócio”, no tempo dos Descobrimentos Marítimos Portugueses. “A Europa não conhecia as especiarias como conhece hoje”, lembrou, referindo-se aos produtos agora à venda nos supermercados.
Recordar, também, entre outros, os navegadores Lançarote de Freitas, Soeiro da Costa e Bartolomeu Dias, além do engenheiro e conselheiro Joaquim Machado, nomeadamente na “planificação” de Lourenço Marques, em Moçambique, e que têm os seus nomes em ruas de Lagos
A dada altura, apontou nomes de navegadores de Lagos, atribuídos a várias ruas e outras artérias desta cidade (designadamente numa zona situada por detrás da estação dos comboios), como Lançarote de Freitas, Soeiro da Costa e Bartolomeu Dias, entre outros. Também destacou o engenheiro e conselheiro Joaquim Machado, nomeadamente na “planificação” de Lourenço Marques, em Moçambique, antiga colónia portuguesa, e que deu o nome a uma rua no centro da cidade de Lagos, junto à Igreja de São Sebastião.
“Na África do Sul, há uma aldeia com o seu nome, devido ao trabalho desenvolvido no plano ferroviário. Esta é uma figura também ligada aos Descobrimentos, que acabou no dia 25 de Abril de 1974, há quase cinquenta anos”, observou aquele investigador de História sobre o conselheiro Joaquim Machado. Por isso, adiantou, “é de elementar justiça” também estar a ser agora recordado.
Nesta homenagem ao Infante Dom Henrique, “só lamento que não haja mais gente. Bastava meia hora. Perdemos mais de meia hora a ver televisão e no café, mas não há tempo para estar aqui.”
“Temos muito a aprender com os seus valores, que o Infante D. Henrique nos deixou”, reforçou, por outro lado, Artur de Jesus, confessando sentir “muito orgulho por esta e outras figuras ligadas aos Descobrimentos Marítimos Portugueses.”
Posteriormente, a propósito desta homenagem, aproveitou para deixar um recado à população de Lagos: “só lamento que não haja mais gente. Bastava meia hora. Perdemos mais de meia hora a ver televisão e no café, mas não há tempo para estar aqui.”
“Os militares que prestaram serviço na defesa das antigas colónias, Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, Índia, Timor e Macau”, foram “os últimos guerreiros” da expansão portuguesa
Depois de referir tratar-se de uma homenagem do município, devido ao feitos alcançados por figuras da época dos Descobrimentos Marítimos Portugueses, “há quinhentos ao atrás”, Artur de Jesus recordou, igualmente, “os militares que prestaram serviço na defesa das antigas colónias, Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, Índia, Timor e Macau”, como sendo “os últimos guerreiros” da expansão do país.
“Os Descobrimentos Marítimos Portugueses foram a primeira Internet do mundo.”
Para Artur de Jesus, “os Descobrimentos Marítimos Portugueses foram a primeira Internet do mundo.” “Os nossos navegadores passaram a ir de seis em seis meses a caminho do Oriente. Temos gente de Lagos, que, no século XVI, ia ao Brasil, à Índia e ao México. Havia um soldado que era conhecido por ‘Lagos’ e esteve envolvido na aventura” dos Descobrimentos”, lembrou o investigador de História.
No século XVI, “a Nau ‘Vitória’ tinha 28 metros de comprimento, quando deu a volta ao mundo, com espanhóis e portugueses.” “E também um italiano, ao serviço do Infante D. Henrique, participou nos Descobrimentos, com deslocações à Guiné, a Cabo Verde e ao Senegal.”
A certa altura, notou ser de “justiça lembrar”, por exemplo, que, enquanto os navegadores portugueses, naquela época, “não tinham cartografia e [andavam no mar] sem grandes meios náuticos, hoje basta carregar num botão para obter coordenadas e outras informações.”
“Esta gente é que descobriu o mundo só com muita capacidade e audácia, ao desbravar mares”, enalteceu Artur de Jesus, reconhecendo que “não é fácil andar no mar.” A propósito, lembrou que, no século XVI, “a Nau ‘Vitória’ tinha 28 metros de comprimento, quando deu a volta ao mundo, com espanhóis e portugueses.” “E também um italiano, ao serviço do Infante D. Henrique, participou nos Descobrimentos, com deslocações à Guiné, a Cabo Verde e ao Senegal.” “Não esquecemos toda esta gente, gente muito competente e que tanto deu ao nosso país”, frisou aquele investigador de História.
Presidente da Assembleia Municipal de Lagos, Joaquina Matos: O Infante Dom Henrique “com esforço e ambição venceu o medo. Fica-nos bem homenageá-lo”
Já num breve discurso, também de improviso, a presidente da Assembleia Municipal de Lagos, Joaquina Matos, não poupou, igualmente, elogios ao Infante D. Henrique, ao “lembrar a figura deste Homem, que fez o que fez. Com esforço e ambição venceu o medo. A nós fica-nos bem homenageá-lo”.
Gil Eanes, Fernão de Magalhães e D. Vasco da Gama foram, também, recordados pela “coragem” demostrada no período dos Descobrimentos Marítimos Portugueses. ”Ano após ano devemos lembrar o Infante D. Henrique, que é uma referência e um orgulho para todos nós”, afirmou Joaquina Matos.
Artur de Jesus destaca o escultor Leopoldo de Almeida, autor da estátua do Infante Dom Henrique, e lembra João Cutileiro, “que não se revia no ensino oficial” e acabou por “romper” com o sistema através da polémica estátua de Dom Sebastião, no centro da cidade de Lagos
Entretanto, o investigador de História Artur de Jesus voltou a intervir, nesta cerimónia, para destacar o autor da estátua do Infante D. Henrique, escultor Leopoldo de Almeida, bem como o arquitecto Pardal Monteiro e o engenheiro Duarte Pacheco, de Loulé, figuras pertencentes a “grandes gerações.”
“Leopoldo de Almeida foi professor de João Cutileiro e integrou uma geração nova da nossa arte, em 1940, com projectos de arquitectura, a partir dos Descobrimentos”, lembrou. Já “João Cutileiro não se revia no ensino oficial e a sua obra da estátua de D. Sebastião, que aterrorizava as pessoas, com aquela cabeleira, é o romper [do sistema – n.d.r. ], através da arte, em Portugal, em que, pela primeira vez, utilizou máquinas pesadas para o corte de pedras”, observou.
“Terminou no dia 25 de Abril de 1974” a aventura dos Descobrimentos Marítimos Portugueses, mas “há que honrar a nossa História e não termos vergonha”, diz, ao ‘Litoralgarve’, o investigador de História
A aventura dos Descobrimentos Marítimos Portugueses “terminou no dia 25 de Abril de 1974”, mas, como referiu Artur de Jesus, ao ‘Litoralgarve’, após a cerimónia de homenagem junto à estátua do Infante D. Henrique, “há que honrar a nossa História e não termos envergonha” da mesma.
“É preciso recordar a imagem universal deste homem e o legado que nos deixou. É um exemplo da nossa História” (padre Nelson Rodrigues, durante a missa, em homenagem ao Infante Dom Henrique)
Durante a missa que teve lugar na Igreja de Santa Maria, pouco após as 18.30 horas, e onde foi possível ver, inicialmente, a imagem da estátua do Infante Dom Henrique, num ecran gigante, instalado perto do local onde actuou um coro com quatro elementos, um organista e uma maestrina, também o padre Nelson Rodrigues destacou a figura do principal mentor da epopeia dos Descobrimentos Marítimos Portugueses. “É preciso recordar a imagem universal deste homem e o legado que nos deixou. É um exemplo da nossa História”, disse, a determinado momento, o sacerdote.
“Era um jovem extremamente religioso, a servir a Cristo. Escolheu morrer em Sagres e ser sepultado em Lagos, preparando-se para a eternidade” (Artur de Jesus, investigador de História)
Depois, deu a palavra ao investigador de História Artur de Jesus, que fez uma referência à “parte intimista” do Infante D. Henrique. “Era um jovem extremamente religioso, a servir a Cristo. Escolheu morrer em Sagres e ser sepultado em Lagos, preparando-se para a eternidade”, recordou. E concluiu, dizendo que o Infante D. Henrique foi também “um homem preocupado”, tendo aproveitado o que aqueles tempos lhe proporcionaram. Artur de Jesus finalizou esta sua intervenção, entre aplausos de cerca de meia centena de pessoas presentes na Igreja de Santa Maria, após o que o pároco padre Nelson Rodrigues prosseguiu a habitual celebração religiosa neste templo.