“Temo que a situação ainda vai piorar antes de melhorar”, avisa o empresário Pedro Moreira, que organizou com o médico António Carvalho, uma noite de fado em que a protagonista foi a artista Helena Candeias, na esplanada do bar do Hotel Luz Bay, a poucos metros da praia da Luz, no concelho de Lagos. Nesta entrevista ao Litoralgarve, alerta para “cenas de pancadaria” entre músicos no centro da cidade, deixa sugestões para a realização de espetáculos ao ar livre e pede “bom senso” aos proprietários de estabelecimentos, nomeadamente bares, bem como à Câmara Municipal e às forças policiais no controlo das pessoas, no interior desses espaços e na rua. “O vírus, no fundo, não olha às regras que nós lhe queremos impor”, nota Pedro Moreira.
Pelo menos meia centena de artistas residentes no concelho de Lagos, sobretudo aqueles que estão ligados à área da música, atravessam imensas dificuldades económicas devido ao impacto provocado pela Covid, nesta fase de restrições no contacto com o público, e até correm o risco de ficar sem as casas onde habitam.
O alerta é do empresário e atual presidente da Comissão Política de Secção do PSD de Lagos, Pedro Moreira, que juntamente com o médico António Carvalho, organizou um espetáculo na esplanada do bar do Hotel Luz Bay, situado na localidade da Luz, tendo a fadista Helena Candeias como principal protagonista.
O preço de entrada foi 15 euros por pessoa, com direito a uma bebida. “Os artistas têm de ser pagos. No fundo, aquilo que se pretendia era mesmo apoiar os artistas monetariamente. No futuro, vamos pensar criar este, ou outro tipo de mecanismos que permitam apoiar esta e outros artistas, porque, neste momento, estão com a vida muito dificultada. Não têm público”, observou o promotor da noite de fado.
“NÃO ACREDITO QUE HAJA PESSOAS A PASSAR FOME, MAS COM GRANDES DIFICULDADES, HÁ”
Em entrevista ao Litoralgarve, Pedro Moreira reconheceu que são muitos os artistas com problemas, na sequência das restrições devido à pandemia da Covid-19. “Talvez meia centena de artistas, principalmente os das artes performativas, todos aqueles que atuam para público. Os pintores, por exemplo, não terão grandes dificuldades, porque pintam, no fundo, sozinhos e depois vendem a sua arte. Agora, todos aqueles que atuam para público, não estão a passar bons momentos. Músicos, guitarristas, todas as pessoas que trabalham no universo da música. Os que trabalham em bares e discotecas, a mesma coisa”, sublinhou.

Há artistas a passar fome? – questionámos. Pedro Moreira respondeu: “Não acredito que haja pessoas a passar fome, mas com grandes dificuldades económicas, há. No fundo, estão desempregadas, não têm público, não têm capacidade de trabalhar. É difícil. Depois, não têm apoios do Estado, porque são pessoas sem apoios sociais. Os artistas não fazem descontos, ou se os fazem, depois não conseguem ter retorno desses descontos facilmente. Por isso, têm dificuldade em sobreviver. No fundo, se calhar é com apoios familiares que conseguem. E têm de ter outros empregos.”
“O caso de fome será já o caso extremo. Mas receio dificuldades extremas”, admitiu, apreensivo, Pedro Moreira. Artistas a ficar sem casa, com ordem de despejo, é um cenário provável. “Exato. De situações dessas, não devem estar muito longe. Temo que a situação ainda vai piorar antes de melhorar”, avisou aquele empresário.
“O QUE ESTÁ A ACONTECER, NESTE MOMENTO, É UM POUCO HIPÓCRITA. AS PESSOAS NÃO PODEM ESTAR NOS ESTABELECIMENTOS, NOS BARES, E VÊM PARA A RUA BEBER. ANDAM AGLOMERADAS, SEM CONTROLO”
E como presidente do principal partido da oposição em Lagos, que iniciativas já tomou junto da Câmara Municipal para tentar resolver o problema? “Apesar de ser a câmara que licencia esses espaços, neste momento as regras sanitárias dificultam muito esta situação”, reconheceu Pedro Moreira. Porém, aproveitou para deixar vários recados: “Tem de haver bom-senso dos proprietários dos espaços no controlo dos seus clientes, e, também, da Câmara Municipal e das forças policiais no controlo dentro dos estabelecimentos e fora. E depois, na rua, porque o que está a acontecer, neste momento, é um pouco hipócrita. As pessoas não podem estar nos estabelecimentos, nos bares, e vêm para a rua beber. Andam aglomeradas na rua, sem controlo. Isso não é sistema porque o vírus, no fundo, não olha às regras que nós lhe queremos impor”.
CENTRO CULTURAL DE LAGOS COM MENOS LUGARES, “É MELHOR DO QUE NADA”
Para já, espetáculos ‘drive in’, como aqueles que se realizam no antigo de campo de futebol do Rossio da Trindade, e no Centro Cultural de Lagos, onde a fadista Helena vai atuar no dia 5 de Setembro, a partir das 21.30 horas, podem ser solução para minorar os problemas dos artistas ligados à música.
“O Centro Cultural de Lagos, imagino que tenha cerca de 200 ou 300 lugares. Com os distanciamentos, poderá sentar cerca de cem pessoas. É melhor do que nada. Acho que é um bom princípio começar a dar espetáculos com menos gente, mas a dar espetáculos”, defendeu Pedro Moreira. E acrescentou: “Depois, os espaços abertos, também, com controlo, menos público. A lógica do ‘drive in’ é as pessoas estarem nos seus carros, mas terem um altifalante junto à janela, onde ouvem o som daquilo que está a passar no ecrã. Não estou a ver se o som que vem do palco entra dentro da viatura com a mesma qualidade que deveria. Mas, pronto, são experiências que estão a ser feitas”.
“O SEGREDO SERÁ REALIZAR ESPETÁCULOS MAIS PEQUENOS AO AR LIVRE, PRINCIPALMENTE”
Em relação a outros espaços ao ar livre que podem ser aproveitados em Lagos, Pedro Moreira sugeriu:
“Penso que o segredo será realizar espetáculos pequenos e as próprias pessoas, utilizando as máscaras e o distanciamento social e o bom senso, irem aproveitando os artistas que temos. Com espetáculos mais pequenos ao ar livre, principalmente. E também espetáculos de interior, como o que está marcado para o dia 5 de Setembro no Centro Cultural de Lagos, com muito menos público. É irmos andando devagarinho”.
“TEM HAVIDO CENAS DE PANCADARIA CONTÍNUA NO CENTRO DA CIDADE. PORQUE NÃO HAVENDO REGRAS, OS MÚSICOS, OU AS PESSOAS FAZEM AS PRÓPRIAS REGRAS. E ENTÃO, É A LEI DA SELVA”
E o centro da cidade tem condições para tal?
“ Os músicos continuam a tocar e o que tenho assistido e o que tem vindo ao meu conhecimento, é que tem havido cenas de pancadaria contínua no centro da cidade. Porque não havendo regras, os músicos, ou as pessoas fazem as próprias regras. E então, é a lei da selva. Isso não é solução”, denunciou Pedro Moreira, nesta entrevista ao Litoralgarve. E aproveitou para lançar um apelo à Câmara Municipal de Lagos e ao público, em geral: “Era melhor que a Câmara definisse, de uma vez por todas, quais são as regras e deixasse os músicos, que normalmente tocam no centro da cidade, tocar porque eles têm de viver. Ninguém mais do que as próprias pessoas têm de ter zelo pela sua saúde. Se querem apreciar um espetáculo de música ao ar livre, vão usar a máscara e manter um distanciamento social das pessoas que não conhecem. É claro que se estiverem em família, estão em família. As próprias pessoas é que têm de zelar pela sua segurança. E tem de haver bom-senso”.
“ACHO QUE NÃO TEM HAVIDO O CONTROLO QUE DEVIA HAVER” POR PARTE DAS FORÇAS DE SEGURANÇA EM LAGOS
Já no tocante à ação das forças de segurança, notou: “acho que não tem havido o controlo que devia haver.” “Aquilo que ouço e aquilo que vejo, principalmente à noite, é tem havido um desleixo que se pode tornar um bocado perigoso”, lamentou Pedro Moreira, para quem “as autoridades deviam ser um pouco mais atuantes, sobretudo à noite.”
“CLUBE ARTÍSTICO LACOBRIGENSE, LAC E UMA SÉRIE DE ASSOCIAÇÕES PODEM TER UMA VOZ ATIVA NA ORGANIZAÇÃO DE PEQUENOS ESPETÁCULOS E DE APOIO PORQUE ESTA GENTE ESTÁ DESAMPARADA”
Que outras iniciativas vai promover para apoiar fadistas e artistas, em geral? “Este foi o primeiro espetáculo e não acho que tenha corrido muito mal. Foi uma experiência. Vamos tentar, ou vou tentar ver, outros tipos de apoios, até com associações que há na cidade, que estejam mais vocacionadas para tal. O Clube Artístico Lacobrigense, o LAC (Laboratório de Atividades Criativas), há uma série de associações que estão vocacionadas para o apoio aos artistas e podem ter uma voz ativa na organização de pequenos espetáculos e de apoio porque esta gente está desamparada”, frisou Pedro Moreira.
“NÃO É FÁCIL HOJE EM DIA ORGANIZAR ESTE TIPO DE ESPETÁCULOS”
Sobre a noite de fado com Helena Candeias, a 5 de Agosto, na esplanada do bar do Hotel Luz Bay, situado a poucos metros da praia da Luz e que teve apenas uma dúzia de espetadores, Pedro Moreira, promotor da iniciativa, juntamente com o médico António Carvalho, contou ao Litoralgarve: “Compreendo que as coisas não estão fáceis a nível económico e as pessoas retraem-se um pouco. Estava previsto o espetáculo realizar-se em Lagos (no restaurante Triângulo – n.d.r.), mas, depois, as condições que foram apresentadas devido ao distanciamento entre as pessoas e à disposição das mesas, não permitiram que fosse lá feito. Preferimos cancelar naquele local e as condições aqui (no Hotel Luz Bay), estavam melhores. Mas foi uma aventura. Não é fácil hoje em dia organizar este tipo de espetáculos.”
“POR ENQUANTO, FICO SÓ COM O FADO, NÃO VOU TER OUTRO EMPREGO”, GARANTE HELENA CANDEIAS
“Boa noite. Somos poucos, mas bons”. Foram estas as palavras da fadista Helena Candeias no início daquele espetáculo, pelas 21.30 horas e com apenas quatro espetadores na altura. Depois, foram entrando alguns casais. No final, cerca das 23.10 horas, estavam 12 pessoas. Com um intervalo pelo meio, a artista cantou 13 canções, algumas das quais do seu primeiro CD intitulado ‘O Silêncio da Alma’. Vítor do Carmo, à guitarra, e Pedro Feiteira (viola clássica) foram os músicos acompanhantes da fadista, que se apresentou com um vistoso vestido preto.

“Este espetáculo serviu para falar sobre o meu primeiro CD, porque há muita gente que não conhece. Correu bem. Podia ser melhor. Esperava mais gente. Mas devido à situação em que estamos, sabia que não ia ter muitas pessoas. A mudança de local provocou um bocadinho esta situação. Fazendo o que gosto, já fico contente. Em termos gerais, a noite correu-me bem”, disse ao Litoralgarve a artista, de 30 anos.
A certa altura, também cantou em espanhol. “Como a minha avó materna é de família espanhola, também gosto de cantar em espanhol de vez em quando. Decidi colocar esse fado no meu CD por isso e por ter essa veia”, explicou Helena Candeias, que, como nos garantiu, “por enquanto, fico só com o fado, não vou ter outro emprego”.
FADISTA ENSAIA NO QUINTAL E “OS VIZINHOS PÕEM-SE EM FRENTE ÀS NOSSAS CASAS E OUTROS NAS VARANDAS”, PORQUE “ADORAM A VOZ DELA” , CONTA FÁTIMA ESPADA, MÃE DA ARTISTA

Já a mãe, Fátima Espada, reconheceu que a filha “ficou um pouco abatida” com a crise resultante do impacto provocado pela Covid-19, “mas nunca baixou a cabeça, continuou sempre ensaiando em casa para não perder o ritmo e depois começou outra vez com boa disposição a cantar para o público.” “Ela está com vontade de seguir em frente”, assegurou.
E como é ensaiar em casa? “Tem as letras gravadas, aparelhagem, colunas de som, liga aquilo e canta no quintal, mais durante o dia”, contou a mãe da fadista. “O que dizem os vizinhos? Ahh, adoram! Põem-se lá em frente às nossas casas, aos lados, outros nas varandas. Adoram a voz dela, outros dizem que já tinham saudades de ouvi-la. Gostam muito. Há pessoas que se arrepiam com a voz dela”, descreveu, ao Litorlgarve, Fátima Espada.
NA NOITE DE FADO ‘IN DRIVE LAGOS’, EM VEZ DE APLAUSOS DO PÚBLICO, “VIAM-SE AS LUZES DAS VIATURAS A ACENDER E OUVIAM-SE AS BUZINAS A TOCAR” APÓS CADA CANÇÃO E NO FINAL DO ESPETÁCULO
“Já fomos a um espetáculo em Faro e correu tudo bem. As pessoas estavam com o afastamento, cumprindo as regras de segurança. Estava cheio, foi muito bom”, lembrou a mãe de Helena Candeias. Sobre o recente espetáculo ‘in drive’, no antigo campo de futebol do Esperança de Lagos, no Rossio da Trindade, sublinhou: “estava cheio e foi uma experiência nova cantar para pessoas que estavam dentro dos seus carros. Após cada canção e no final do espetáculo, viam-se as luzes das viaturas a acender e ouviam-se as buzinas a tocar. Foi diferente”.
“METEU OS PAPÉIS NO CENTRO DE EMPREGO E VAMOS ESPERAR”
Que conselhos costuma dar à sua filha? “Eu? Os conselhos que dou é para ela nunca deixar de seguir os seus sonhos e lutar pelos mesmos. Ela tem de seguir em frente”, respondeu Fátima Espada, admitindo ser possível Helena Candeias viver só do fado. “Acho que sim, ela aceita, desde que consiga aquilo que quer. Ela é que sabe”, defendeu a mãe da fadista.
Contudo, reconheceu, “neste momento, tem de ter duas atividades. Tem despesas a pagar e no fado, como isto tem estado em baixo, não dá.”. “Mas temos de ir para a frente, vamos ver o que vai aparecer, o que é que isto vai dar, se dá para evoluir mais um pouco. Só Deus é que sabe. Para já, ela é profissional do fado”, observou.
Depois de ter terminado o contrato com o Clube Recreativo Cultural e Desportivo Luzense, na localidade da Luz, no concelho de Lagos, onde trabalhava, Helena Candeias “meteu os papéis no Centro de Emprego e vamos esperar”, concluiu a mãe da fadista.
Reportagem de José Manuel Oliveira