FRANCISCO AMARAL, MÉDICO E PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE CASTRO MARIM, EM ENTREVISTA AO LITORALGARVE: “BILL GATES HÁ CINCO ANOS DIZIA ESTA PANDEMIA VIRIA ACONTECER. NINGUÉM LHE LIGOU NENHUMA”

“Portugal e o mundo não estavam preparados para enfrentar uma pandemia. Alguns líderes de  superpotências , com fortes indícios de psicopatias, estavam mais voltados para as guerras com mísseis e bombas, onde se gastavam balúrdios. Também estávamos todos muito voltados para o futebol e outros ‘futebóis’, onde se esbanjava muito dinheiro.”

“No Algarve encerraram-se as fronteiras (terrestre, área e marítima) muito tarde. Todos os primeiros casos foram importados do estrangeiro.”

“Não nos podemos esquecer que a tosse e o espirro podem chegar até 6 metros, daí a importância do uso de máscara em locais públicos e nesse pressuposto 2 metros são aceitáveis.”

“Há fumadores que tomaram conhecimento que o Covid-19 não brinca com fumadores e estão «à pressa» a deixar de fumar. Nalguns casos isto não está a ser nada fácil.”

“As neuroses ansiosa e depressiva estão a surgir”

Em entrevista ao «Litoralgarve», o médico e presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, Francisco Amaral, reconhece como “natural que surjam problemas do foro psicológico” devido ao novo coronavírus, defende que as autarquias do Algarve “terão de deixar de realizar festas e ‘festinhas’ e canalizar essas verbas para apoiar as famílias mais afetadas pelos efeitos económicos desta pandemia”, e perspetiva o próximo Verão de “recuperação muito lenta do turismo e da economia”. Destaca a ação do comandante Vaz Pinto, na Proteção Civil no Algarve, e por isso mostra-se surpreendido com a recente nomeação do socialista José Apolinário, secretário de Estado das Pescas, como coordenador no processo de combate à Covid-19 nesta região: “Daí não compreender a necessidade de, no meio de uma pandemia instalada, uma nova coordenação político-partidária.”

Litoralgarve – Como é o seu o dia-a-dia, como médico e presidente da Câmara Municipal de Castro de Marim, nesta fase de quarentena desde a entrada em vigor do estado de emergência em Portugal devido ao novo coronavírus, Covid-19?

Francisco Amaral – Como sou doente de risco, cardíaco, asmático, com enfisema pulmonar, 64 anos de idade, estou a resguardar-me em casa. Estou a ir uma média de uma vez por semana à Câmara Municipal. Estou em contacto permanente com os meus vereadores e restante staff. Também estou em teletrabalho e com videoconferências frequentes. Sinto-me triste e um “cobardolas”, gostaria de estar na linha da frente, nomeadamente na urgência do Hospital de Faro, onde fiz voluntariado durante muitos anos.

 “Preocupa-me sobremaneira os montes da serra, tal como o Lar de Castro Marim e a UCC (Unidade de Cuidados Continuados) do Azinhal. Ficaria muito preocupado se o vírus chegasse a estes locais, pois estamos perante uma população muito frágil”

Litoralgarve – O concelho de Castro Marim regista dois casos de contaminação, não fazendo por isso parte das estatísticas divulgadas pela Direção-Geral da Saúde. Como se sente perante essa situação? Como tem reagido a população? Quais os principais problemas?

Francisco Amaral – No geral, a população de Castro Marim está a seguir as orientações da DGS, do delegado de saúde local e do Município. Temos um bom delegado de saúde, que neste momento está em articulação permanente com o Município, estando nós a seguir as suas orientações. Temos tomado várias medidas porque o que é importante é que o coronavírus não chegue a Castro Marim. Aqueles dois casos positivos foram importados (do Reino Unido), mas foram imediatamente confinados. A Junta de Freguesia de Altura e o Município têm dado todo o apoio ao casal. Preocupa-me sobremaneira os montes da serra, tal como o Lar de Castro Marim e a UCC (Unidade de Cuidados Continuados) do Azinhal. Ficaria muito preocupado se o vírus chegasse a estes locais, pois estamos perante uma população muito frágil com muitas comorbilidades. Daí termos viaturas com som para informar, dar conforto e levar alimentos e medicamentos à população que nos solicitar.

Fiquei sensibilizado com a iniciativa dos castromarinenses, ao fazerem voluntariamente máscaras com material comprado pelo município, sob orientações do delegado de saúde.

Litoralgarve – O uso de máscara devia ser obrigatório? E de luvas?

Francisco Amaral – Defendo que na rua e em locais públicos andemos todos com máscara. O uso de luvas descartáveis também, por exemplo nos supermercados.

Litoralgarve – Dois metros de distância entre pessoas é a regra imposta pelas autoridades de saúde. Mas há médicos que agora dizem que tal não é suficiente, apontando para a necessidade de uma distância de quatro metros, no mínimo. Afinal, qual é a distância mais adequada? E como controlar esse tipo de situações, nomeadamente nos supermercados e noutros estabelecimentos, bem como na via pública, quando as pessoas tiverem de circular?

Francisco Amaral – Não nos podemos esquecer que a tosse e o espirro podem chegar até 6 metros, daí a importância do uso da máscara em locais públicos e nesse pressuposto 2 metros são aceitáveis. Preocupa-me os portadores assintomáticos. O período de incubação deste vírus é muito longo.

 “Estávamos todos muito voltados para o futebol e outros “futebóis”, onde se esbanjava muito dinheiro. Por exemplo, nas escolas faziam-se simulacros de tremores de terra, incêndios, etc., mas nunca ninguém se lembrou de fazer simulacros de uma pandemia.”

Litoralgarve – Como avalia a forma como as várias entidades no Algarve tentam controlar a pandemia? O que falta, na sua opinião?

Francisco Amaral – Portugal e o mundo não estavam preparados para enfrentar uma pandemia. Alguns líderes de superpotências, com fortes indícios de psicopatias, estavam mais voltados para as guerras com mísseis e bombas, onde se gastavam balúrdios. Também estávamos todos muito voltados para o futebol e outros “futebóis”, onde se esbanjava muito dinheiro. Por exemplo, nas escolas faziam-se simulacros de tremores de terra, incêndios, etc., mas nunca ninguém se lembrou de fazer simulacros de uma pandemia. Bastaria estarmos atentos a uma conferência que Bill Gates realizou há 5 anos, onde dizia que esta pandemia viria a acontecer. Ninguém lhe ligou nenhuma.

No Algarve encerraram-se as fronteiras (terrestre, aérea e marítima) muito tarde. Todos os primeiros casos foram importados do estrangeiro.

Ainda hoje há dificuldade na realização de testes por falta de kits, os equipamentos de proteção individual são exíguos, mas penso que são no país e no mundo.

Litoralgarve – O que lhe parece a nomeação do secretário de Estado das Pescas, José Apolinário, como coordenador no Algarve no processo de combate à Covid-19?

Francisco Amaral – Existia uma coordenação que era a do comandante Vaz Pinto, que já deu sobejas provas de se tratar de uma pessoa muito competente, muito vocacionada para a proteção civil, muito conhecedora da região, bem relacionado com as várias entidades envolvidas. Daí não compreender a necessidade de, no meio de uma pandemia instalada, uma nova coordenação político-partidária.

Aliás, entristeceu-me ver uma fotografia de um avião e uns caixotes e três secretários de estado e o presidente da Câmara de Lisboa a porem-se em “bicos de pés”. Temos que ter o mínimo de elevação e de razoabilidade no meio de uma situação tão preocupante como esta.

Litoralgarve – Já falou com o agora coordenador no Algarve, José Apolinário?

Francisco Amaral –  O novo coordenador ainda não me contactou.

“É natural que surjam problemas do foro psicológico”, “a obesidade está a aumentar” e “as insónias também estão a ser um sintoma muitas vezes referido”

Litoralgarve – Em que condições estão a trabalhar os médicos e os enfermeiros dos hospitais de Faro, Portimão e Lagos? Que problemas enfrentam no dia-a-dia devido à Covid-19?

Francisco Amaral – Não tenho palavras para reconhecer e agradecer a todos os colegas médicos, enfermeiros, técnicos e não técnicos hospitalares, que estão na linha da frente e que com a sua coragem e determinação arriscam a sua própria vida e a dos seus familiares por todos nós. Claro que tem faltado muito equipamento de proteção individual, mas penso que tem faltado no país inteiro e até no mundo.

Litoralgarve – E as estruturas de apoio criadas no Algarve, devido à pandemia, resolvem os problemas?

Francisco Amaral – Tem havido um esforço do SNS (Serviço Nacional de Saúde) da ARS (Administração Regional de Saúde) /Algarve, agora com o Francisco Martins, ex-presidente da Câmara Municipal Lagoa, fazendo a ponte com os municípios, para dar a resposta possível, nomeadamente abrindo áreas destinadas ao Covid-19 nos diversos centros de saúde. Tem havido também uma preciosa colaboração da Universidade do Algarve através do ABC e do Dr. Nuno Marques.

Castro Marim

Litoralgarve – «Fique em casa» é a frase que as pessoas mais ouvem e leem diariamente. O que poderá provocar esta situação em termos psicológicos? Acha que as pessoas estão a aceitar a quarentena?  Como médico, que queixas ouve no dia-a-dia?

Francisco Amaral – De um modo geral, a população algarvia está a aceitar a quarentena. É natural que surjam problemas do foro psicológico. No caso particular de Castro Marim, o município tem uma linha de apoio psicológico com quatro psicólogos, que estão a colaborar voluntariamente com o município.

As neuroses ansiosa e depressiva estão a surgir. Por exemplo, há fumadores que tomaram conhecimento que o Covid-19 não brinca com fumadores e estão “à pressa” a deixar de fumar. Nalguns casos isto não está a ser nada fácil. Também tendo a consciência que a obesidade está a aumentar, o que pode acarretar consequências para a saúde das pessoas. As insónias também estão a ser um sintoma muitas vezes referido.

“Penso que se deverá usar máscara durante muitos meses nos espaços públicos”

Litoralgarve – Na sua opinião, até quando deve manter-se em vigor o estado de emergência em Portugal? E depois, o que deve ser feito?

Francisco Amaral – O estado de emergência nunca terminará antes de maio. Penso que se deverá usar máscara durante muitos meses nos espaços públicos. Perante a imprevisibilidade deste novo vírus, que, pelos vistos, o seu contacto não provocará imunidade total, também está a surgir uma forma letal para os jovens e adultos jovens. Daí, devemos pecar sempre por excesso de zelo. Todo o cuidado é pouco.

 “O próximo Verão irá ser de recuperação muito lenta do turismo e da economia algarvia”

Litoralgarve – Como avalia a ação do Governo a este nível?

Francisco Amaral – Olhe, tal como a saúde não deve ser uma arma de aproveitamento político, como aquela parolice dos secretários de estado ao lado dos caixotes do avião, também não deve ser uma arma de arremesso político contra qualquer Governo, daí abster-me de emitir a minha opinião sobre a ação do Governo.

Litoralgarve – O que irá mudar depois desta pandemia?

Francisco Amaral – Obviamente, espero que o “bicho-homem” se torne menos egoísta e mais solidário. E espero que os governantes mundiais não gastem tanto dinheiro em armamento de guerra e em “futebóis” e se preocupem mais com o planeta e com os seres-vivos que vivem nele, entre os quais o Homem.

Litoralgarve – Qual o impacto provocado pela quarentena no Algarve? Como encara o próximo Verão?

Francisco Amaral – O impacto desta pandemia no Algarve é gravíssimo. O turismo e todas as atividades que com ele se relacionam vão levar muito tempo a recuperar. Este Verão vai ser muito fraco. As empresas algarvias terão que ser apoiadas para sobreviver. Preocupam-me muito as famílias com desempregados e aí as câmaras municipais terão de deixar de realizar festas e “festinhas” e canalizar essas verbas para apoiar as famílias mais afetadas pelos efeitos económicos desta pandemia.

O próximo Verão irá ser de recuperação muito lenta do turismo e da economia algarvia.

Entrevista de José Manuel Oliveira