HÉLDER ÁGUAS, PRODUTOR FLORESTAL E AGRICULTOR: “EXISTEM CADA VEZ MAIS TERRENOS ABANDONADOS NA SERRA DE MONCHIQUE E COM O AUMENTO DAS TEMPERATURAS NO VERÃO O MAIS CERTO É ARDER O QUE AINDA RESTA”

“Existem cada vez mais terrenos abandonados na Serra de Monchique e com o aumento das temperaturas no Verão que se aproxima, haverá novamente o risco de ocorrerem mais incêndios florestais. O mais certo é arder o que ainda aqui resta.”

O aviso é de Hélder Águas, apicultor e agricultor no concelho de Monchique, numa altura em que, como referiu em entrevista ao ‘Litoralgarve’, a quarentena imposta pelo estado de emergência e agora com o estado de calamidade, em Portugal, devido ao novo coronavírus, Covid-19, “impossibilita aos donos de limparem e tratarem os seus terrenos.” “Se me deslocar às minhas propriedades, a Guarda Nacional Republicana pergunta-me para onde vou e diz-me que não devo ir. É uma tristeza. Nem posso cuidar daquilo que me pertence. Esta situação é pior do que era no século passado. Nunca vi nada assim”, lamenta.

Crise imposta pela pandemia da Covid-19 contribui para reduzir o preço das madeiras, nomeadamente dos eucaliptos, e com restrições de entrada na fábrica do Cercal do Alentejo

Por outro lado, conta Hélder Águas, “os proprietários dos terrenos que ainda restam, continuam em dificuldades e na melhor das hipóteses só conseguem vender madeiras, nomeadamente dos eucaliptos, extraídas na floresta, a preços cada vez mais reduzidos. Para biomassa, rendia 18 euros por tonelada, mas agora (devido à referida pandemia Covid-19) já são só 15 euros e com restrições de entrada na fábrica do Cercal do Alentejo – a Glowood -, que exporta mais de 95% da sua produção pelo porto de Sines, destinada à produção de energia elétrica. É um absurdo.”

Serra de Monchique – Wikipédia, a enciclopédia livre

E prossegue: “Depois, vêm camiões carregar toneladas de madeira para as fábricas de celulose, que são quem ganha com a situação, e para a EDP. Muita dessa madeira acaba por ir para outras fábricas em Portugal, as quais, por sua vez, exportam para Espanha a preços mais elevados, na ordem dos 20 a 30 euros por tonelada. É triste não podermos ter o devido rendimento daquilo que é nosso. E se não vendermos pelo preço que nos impõem, é mais isso que perdemos, pois a madeira, que está toda queimada/chamuscada, fica nas matas a apodrecer. Com os problemas e as despesas que temos, pagamento ao pessoal para cortar a madeira, impostos e tudo o mais, mais vale ficar sossegado ou sair daqui.”

“Não há rendimentos” e “hoje, concelho de Monchique tem muito menos de metade da população”

“Não há rendimentos”, queixa-se Hélder Águas. Por isso, observa, “hoje, o concelho de Monchique tem muito menos de metade da população (talvez cerca de dois terços, pois só entre 1960 e 2011, perdeu 41% da que tinha) e os terrenos florestais, sobretudo com sobreiros e eucaliptos, e agrícolas, estão na sua maioria, ao abandono.”

Apesar de ainda possuir terrenos com eucaliptos, pinheiros e sobreiros na zona de Alferce (Monchique), e no concelho de Odemira, no Baixo Alentejo, num total de cerca de 500 hectares, Hélder Águas, de 78 anos e com alguns problemas de saúde, manifesta o seu forte desencanto pela situação a que chegaram a floresta, a apicultura e a agricultura no Sul do país.

“Sinto-me cansado de lutar e desinteressei-me bastante disto. Já não há rendimentos na floresta”, insiste, considerando que “não vale a pena continuar a investir e a trabalhar.” “Há anos, também produzia grandes quantidades de mel (cerca de 35-36 toneladas/ano), mas acabei por vender terrenos e quase todas as colmeias que tinha. Vivo das minhas economias e da minha reforma e vou semeando produtos hortícolas para consumo próprio”, afirma Hélder Águas.

“Há cinco ou seis anos sem chuvas, não se veem, por exemplo, salamandras e sapos. Algumas espécies de aves desapareceram”

Monchique – Wikipédia, a enciclopédia livre

A falta de chuva e as alterações climáticas também têm afastado animais junto às ribeiras em zonas do interior do barlavento algarvio. “Há cinco ou seis anos sem chuvas, não se veem, por exemplo, salamandras e sapos. Algumas espécies de aves desapareceram. Havia muitos mochos no Algarve e no Baixo Alentejo, as andorinhas eram aos milhares, as rolas surgiam em Agosto, mas há anos que raramente alguém as vê, o mesmo sucedendo com os cucos. O cavaco, uma ave que fazia ninhos no solo, durante a noite, com três ou quatro paus, também desapareceu. A última vez que vi neve em Monchique foi há dezenas de anos e de geadas já nem me lembro.” – recorda este agricultor e produtor florestal.

Neste período de quarentena, junto da esposa, na sua casa, em Monchique, Hélder Águas, já saturado das limitações impostas, nota, com alguma ironia à mistura: “Agora cortar o cabelo, também é proibido… Pelo menos, nas barbearias, que têm de estar fechadas. Mas também já quase não há barbeiros…”

Autor: José Manuel Oliveira