O presidente da Direção da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Viegas, não esconde a sua revolta contra o governo, devido às restrições impostas na passagem de ano, com o recolher obrigatório, no âmbito do Estado de Emergência, para tentar controlar o novo coronavírus. “Acabaram com o resto, reduzindo a procura à ínfima especial”, lamenta este responsável, que lança, desde já, um alerta para a possível ocorrência de encontros ilegais: “Não só admito, como tenho a certeza de que isso se vai verificar, com mais ou menos intensidade, um pouco por todo o país”. Nesta entrevista, por escrito, ao Litoralgarve, Elidérico Viegas garante que 2020 foi “o pior ano turístico de sempre” para a região algarvia, avisa que “a recuperação vai ser lenta e muito demorada” e aponta estratégias para enfrentar a crise económica provocada pela pandemia. Com muitos recados ao primeiro-ministro, António Costa.
“A MAIOR E MAIS IMPORTANTE REGIÃO TURÍSTICA PORTUGUESA FOI DEIXADA AO ABANDONO, REDUZIDA À INSIGNIFICÂNCIA DO SEU PESO ELEITORAL E POLÍTICO, IGNORADA SEM APOIOS E QUASE SEM FUNDOS COMUNITÁRIOS”
“NÃO ADMIRA, PORTANTO, QUE O DESEMPREGO SEJA CERCA 5 VEZES SUPERIOR AO REGISTADO NO RESTO DO PAÍS E OS NÍVEIS DE POBREZA AUMENTEM DE FORMA PREOCUPANTE E DESCONTROLADA”
“A EVENTUAL ABERTURA DE NOVAS UNIDADES HOTELEIRAS DEVE SER ENTENDIDA COMO O RESULTADO NATURAL DE INVESTIMENTOS EM CURSO E QUE INDEPENDENTEMENTE DA CRISE TIVERAM DE PROSSEGUIR”
“O GOVERNO HABITUOU-SE A CORRER ATRÁS DO PREJUÍZO, MAS DEMORA EM ACERTAR O PASSADO COM A REALIDADE DAS EMPRESAS E DA ECONOMIA. NO NOSSO CASO CONCRETO, SOBRESSAI A PROMESSA, ENTRETANTO REMETIDA PARA A GAVETA DO ESQUECIMENTO, DE UM PLANO ESPECÍFICO DE EMERGÊNCIA PARA RECUPERAR O TURISMO DO ALGARVE, QUE NUNCA CHEGOU E A REGIÃO E OS EMPRESÁRIOS NUNCA VIRAM.”
Litoralgarve – Que repercussões têm para o Algarve as restrições impostas pelo governo para a passagem de ano, no âmbito do Estado de Emergência, para controlar a pandemia da Covid-19?
Elidérico Viegas – Em boa verdade, as restrições anteriores já eram suficientemente desmotivadoras para todos aqueles que pretendiam passar o fim de ano no Algarve. As novas restrições acabaram com o resto, reduzindo a procura à ínfima espécie. Assim sendo, as taxas de ocupação das poucas unidades hoteleiras e empreendimentos turísticos, ainda em funcionamento, reduziram-se praticamente a zero.
Litoralgarve – O que pensa desta medida?
Elidérico Viegas – Extemporânea e descabida. Ao ter sido tomada fora de horas e tardiamente, causou prejuízos enormes ao sector empresarial que, apesar de tudo, contava com alguma ocupação neste período. Por outro lado, salvo melhor opinião, penso que não contribuirá em nada para esbater o número de infeções.
Litoralgarve – Há quem perspetive que as restrições na passagem de ano poderão provocar encontros ilegais. Admite essa situação?
Elidérico Viegas – Não só admito como tenho a certeza de que isso se vai verificar, com maior ou menor intensidade, um pouco por todo o País.
Litoralgarve – E para este Natal, como está a ocupação hoteleira? Há programas especiais?
Elidérico Viegas – As ocupações hoteleiras durante o Natal nunca tiveram grande expressão no Algarve e, já agora, em todo o País, embora nos últimos anos tenhamos assistido a um incremento de famílias portuguesas que optavam por celebrar o Natal em unidades hoteleiras e turísticas.
“ESTA NOVA VARIANTE DO VÍRUS DEIXA ANTEVER UM AGUDIZAR DA PANDEMIA, QUER NO REINO UNIDO, QUER EM TODO O MUNDO, REMETENDO A RETOMA DOS FLUXOS TURÍSTICOS PARA AS CALENDAS GREGAS, NA MEDIDA EM QUE A GRÃ-BRETANHA É O NOSSO MAIOR FORNECEDOR DE TURISTAS”
Litoralgarve – Como encara as restrições à entrada de cidadãos ingleses em Portugal, devido ao problema da nova variante do vírus, agora detetada no Reino Unido? Que implicações poderão ter essas restrições para o sector do turismo?
Elidérico Viegas – Mais que consequências imediatas, uma vez que a procura de turistas oriundos do Reino Unido é quase nula, estão em causa as perspetivas de retoma a partir da Páscoa do próximo ano.
E isto porque o Reino Unido foi o primeiro País europeu a decidir-se pela vacinação em massa e, por conseguinte, seria também o primeiro a esbater fortemente a doença e a regressar à normalidade.
Esta nova variante do vírus deixa antever um agudizar da pandemia, quer no Reino Unido, quer em todo o mundo, remetendo a retoma dos fluxos turísticos para as calendas gregas, na medida em que a Grã-Bretanha é o nosso maior fornecedor de turistas.
As nossas expectativas são para que, apesar de tudo, a vacina continue a ser eficaz, face à nova estirpe do vírus, de forma a mantermos um otimismo moderado, relativamente a uma retoma gradual e progressiva até à recuperação prevista para daqui a 4/5 anos.
“O ALGARVE REGISTOU O PIOR ANO TURÍSTICO DE SEMPRE. AS QUEBRAS NA OCUPAÇÃO DURANTE A ÉPOCA TURÍSTICA APROXIMARAM-SE DOS 70 POR CENTO” (…) E “EM TERMOS GLOBAIS, AS EMPRESAS REGISTARAM QUEBRAS DE 800 MILHÕES DE EUROS DE RECEITAS, TENDO OS BENS TRANSACIONÁVEIS GERADOS NA REGIÃO CAÍDO À VOLTA DE 6 MIL MILHÕES DE EUROS”, ENQUANTO QUE “O DESEMPREGO AUMENTOU 200 POR CENTO FACE AO PERÍODO HOMÓLOGO”
Litoralgarve – Qual o seu balanço sobre o ano de 2020 na região algarvia? Em tempo de pandemia, quais os prejuízos para a hotelaria? Como foi a ocupação? Há empresários a desistir da atividade? Quantos desempregados provocou o novo coronavírus neste sector?
Elidérico Viegas – O Algarve registou o pior ano turístico de sempre. As quebras na ocupação durante a época turística aproximaram-se dos 70 por cento, assim como o volume de negócios das empresas hoteleiras e turísticas regionais.
Em termos globais, as empresas registaram quebras de 800 milhões de euros de receitas, tendo os bens transacionáveis gerados na região caído à volta de 6 mil milhões de euros.
O desemprego aumentou à volta de 200 por cento face ao período homólogo, para além de um aumento significativo no número de insolvências, incluindo rearranjos empresariais que sempre ocorrem nestas circunstâncias. Estas realidades serão mais visíveis no próximo futuro e, sobretudo, na fase de retoma.
“OITENTA POR CENTO DO ALOJAMENTO TURÍSTICO CLASSIFICADO OFICIALMENTE ENCONTRA-SE ENCERRADO, SENDO QUE ALGUNS EMPREENDIMENTOS (20 POR CENTO) NÃO CHEGARAM A REABRIR DURANTE O VERÃO PASSADO”
Litoralgarve – Quantos hotéis estão encerrados nesta altura e quantos ficarão fechadaos durante o Inverno? E empreendimentos turísticos? Quando poderão reabrir?
Elidérico Viegas – Oitenta por cento do alojamento turístico classificado oficialmente encontra-se encerrado, sendo que alguns empreendimentos (20%) não chegaram a reabrir durante o verão passado.
De uma maneira geral, todos pensam reabrir no início da próxima época turística, ou seja, na Páscoa de 2021, estando essa decisão pendente do evoluir da pandemia e de outros fatores de incerteza que, todavia, permanecem, como a instabilidade no transporte aéreo, canais de comercialização e distribuição de férias, restrições nos países de origem, etc., cuja influência nas procuras turísticas à escala mundial é determinante.
“A RETOMA PODERÁ TER INÍCIO A PARTIR DA PÁSCOA DE 2021, MAS A RECUPERAÇÃO TOTAL NÃO VAI REGRESSAR ANTES DE 4/5 ANOS. NÃO TENHAMOS ILUSÕES SOBRE ESTA MATÉRIA: VAI SER LENTA E MUITO DEMORADA”
Litoralgarve – Como perspetiva o ano de 2021? Para quando a retoma económica no Algarve?
Elidérico Viegas – A retoma poderá ter início a partir da Páscoa de 2021, mas a recuperação total não vai regressar antes de 4/5 anos.
Não tenhamos ilusões sobre esta matéria: a recuperação vai ser lenta e muito demorada.
Litoralgarve – Vão abrir novos hotéis, como se tem falado?
Elidérico Viegas – A eventual abertura de novas unidades hoteleiras deve ser entendida como o resultado natural de investimentos em curso e que independentemente da crise tiveram de prosseguir.
Litoralgarve – Que consequências terá o Brexit?
Elidérico Viegas – O Brexit constituía, de facto, uma das maiores preocupações dos empresários hoteleiros e turísticos do Algarve. Porém, face à dimensão da crise gerada pela pandemia, acabou relegado para segundo plano, tornando-se evidente que regressará em pleno aquando do reinício da retoma dos fluxos turísticos internacionais.
Falar do Brexit neste momento parece quase uma heresia, atendendo à dimensão da crise em que nos encontramos mergulhados. As consequências diretas do Brexit são a desvalorização da libra face ao euro e, por essa via, perda de competitividade da nossa oferta, incluindo a diminuição do poder de compra dos turistas britânicos.
Litoralgarve – O que é necessário para atrair mais visitantes e novos mercados?
Elidérico Viegas – A estratégia promocional deve ser orientada para o consumidor final e assumir claramente uma vertente comercial, através de sinergias com o sector privado, sem prejuízo de apoios mais consistentes aos operadores turísticos tradicionais, muito afetados pela crise pandémica. Os esforços promocionais devem focar-se nos mercados onde já temos notoriedade e um “market share” elevado: Reino Unido, Alemanha, Holanda e Irlanda.
Atendendo à forte dependência do transporte aéreo, torna-se necessário implementar um programa de apoio às companhias aéreas, baseado no desempenho e no cumprimento de objetivos pré-definidos e acordados.
APOIO DO GOVERNO AO SECTOR TURÍSTICO TEM SIDO “MUITA PARRA E POUCA UVA”
Litoralgarve – Qual tem sido o papel do governo no apoio ao sector turístico em face dos prejuízos económicos e sociais causados pela Covid-19?
Elidérico Viegas – Muita parra e pouca uva. Ou seja, muitos anúncios e medidas, mas que tardam em chegar às empresas e à economia do turismo, especialmente ao turismo do Algarve. O governo habitou-se a correr atrás do prejuízo, mas demora em acertar o passo com a realidade das empresas e da economia.
No nosso caso concreto, sobressai a promessa, entretanto remetida para a gaveta do esquecimento, de um Plano Específico de Emergência para Recuperar o Turismo do Algarve que nunca chegou e a região e os empresários nunca viram.
A maior e mais importante região turística portuguesa foi deixada ao abandono, reduzida à insignificância do seu peso eleitoral e político, ignorada sem apoios e quase sem fundos comunitários. Não admira, portanto, que o aumento do desemprego seja cerca de 5 vezes superior ao registado no resto do País e os níveis de pobreza aumentem de forma preocupante e descontrolada.
Litoralgarve – Que ilações retira desta pandemia que está a assolar o mundo e, em particular, o Algarve? O que vai mudar, a partir de agora, ao nível do turismo, com as vacinas contra o novo coronavírus?
Elidérico Viegas – Um dos maiores desafios do presente é sermos capazes de manter e melhorar os níveis de saber e conhecimento, melhor forma de responder aos desafios competitivos na fase de recuperação, quer em matéria de produtividade, quer no que se refere à qualidade de serviços prestados. Também aqui, infelizmente, apesar de termos apresentado propostas específicas e concretas neste sentido, o governo fez orelhas moucas às propostas apresentadas, preferindo suportar os custos do elevado desemprego sem quaisquer contrapartidas.
O posicionamento competitivo do turismo vai depender da nossa capacidade em gerir de forma eficiente os nossos recursos, como referenciais estratégicos, critérios de convergência e avaliação competitiva, no respeito por uma equidade social e prosperidade económica para todos.
E isto porque uma das consequências diretas da pandemia será uma nova filosofia de vida, cujo horizonte não é apenas poupar dinheiro, mas a adoção de um estilo de vida mais frugal, incluindo uma mudança do comportamento humano à escala mundial e, por essa via, a novos hábitos de consumo de férias e outras vivências.
O turismo sustentável para minorias não existe. Não há sustentabilidade turística sem rentabilidade. Para isso precisamos de empresas viáveis e economicamente saudáveis, caso contrário estaremos a comprometer a recuperação económica do turismo e do Algarve. Sem apoios financeiros diretos ao sector empresarial da região, não seremos competitivos nem estaremos em condições de responder, eficazmente, aos desafios do futuro.
O Algarve, o País e o Mundo foram abalados por uma crise angustiante e sem precedentes. Não estarmos preparados para responder aos desafios da retoma é prolongar as consequências desastrosas em que estamos envolvidos por anos e anos sem fim.
Por: José Manuel Oliveira