“AS EQUIPAS TENDERÃO A FAZER REFEIÇÕES NOS HOTÉIS, ENQUANTO OS ESPETADORES IRÃO OPTAR PELO ALOJAMENTO E PEQUENO-ALMOÇO. SABEMOS QUE ALGUNS HOTÉIS IRÃO ENCERRAR A SEGUIR AO FINAL DA PROVA”
“O MERCADO INTERNO FOI O ÚNICO QUE REGISTOU UMA SUBIDA RELATIVAMENTE AO ANO ANTERIOR – 32,5 POR CENTO”
“É PRECISO TER PRESENTE QUE CERCA DE 20 POR CENTO DOS ESTABELECIMENTOS NÃO CHEGARAM A REABRIR DURANTE A ÉPOCA TURÍSTICA”
“MAIS UNIDADES HOTELEIRAS E EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS VÃO ENCERRAR DE NOVEMBRO A ABRIL, À VOLTA DE 70 POR CENTO”
“AS ESTIMATIVAS APONTAM PARA QUE, EM 2020, AS RECEITAS DOS HOTÉIS E EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS BAIXEM CERCA DE 800 MILHÕES DE EUROS”
“TUDO INDICA QUE, À SEMELHANÇA DO QUE SE VERIFICOU DURANTE A ÉPOCA TURÍSTICA, O MERCADO INTERNO VIRÁ EM FORÇA PARA O ALGARVE NO FIM DE ANO”
“A Fórmula 1 gera importantes fluxos turísticos fora da época alta, funcionando como um evento âncora no esbatimento da nossa maior fragilidade – a sazonalidade”, reconhece, em entrevista ao Litoralgarve, o presidente da Direção da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Viegas, numa altura em que a maior ocupação contempla as unidades situadas no concelho de Portimão, onde se disputa o Grande Prémio de Portugal da prova rainha do desporto automóvel a nível mundial. Mais de 60 por cento dos clientes são portugueses, a que se juntarão, nomeadamente, espanhóis e franceses. Ao contrário das perspetivas iniciais, não virão muitos britânicos devido às restrições impostas no Reino Unido, designadamente para quem viaja desde o Algarve. “A nossa diplomacia económica voltou a não funcionar”, lamenta Elidérico Viegas, apontando o dedo à “visão centralista de Lisboa”, numa alusão ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, tutelado pelo socialista Augusto Santos Silva.
Litoralgarve – Que impacto terá no sector hoteleiro e do turismo da região algarvia, em geral, o Grande Prémio de Portugal de Fórmula 1 a realizar no Autódromo Internacional do Algarve, no concelho de Portimão, de 23 a 25 de Outubro de 2020?
Elidérico Viegas – O principal impacto da Fórmula 1 é o que resulta da enorme cobertura mediática internacional do evento. E isto porque, num ano atípico, como o que estamos a viver, os fluxos de turistas serão muito reduzidos, quer por parte de nacionais, quer sobretudo de estrangeiros, atendendo às limitações impostas pelas autoridades de saúde quanto ao número de espetadores permitido e às restrições existentes nos países de origem dos turistas, nomeadamente no Reino Unido.
Neste sentido, importa garantir a continuidade da prova nos anos vindouros, uma vez que que, como é sabido, para além de um meio privilegiado de promoção e divulgação turística da região, a Fórmula 1 gera importantes fluxos turísticos fora da época alta, funcionando como um evento âncora no esbatimento da nossa maior fragilidade – a sazonalidade.
“HÁ HOTÉIS COM TAXAS DE OCUPAÇÃO ELEVADAS, ESPECIALMENTE NA ZONA DO AUTÓDROMO (PORTIMÃO/ ALVOR), SOBRETUDO AQUELES QUE ACOMODAM AS EQUIPAS QUE PARTICIPAM NA PROVA. MAIS DE 60 POR CENTO DOS CLIENTES SÃO PORTUGUESES”
Litoragarve – Há hotéis cheios? Onde? E de onde vêm esses clientes?
Elidérico Viegas – Há hotéis com taxas de ocupação elevadas, especialmente na zona do autódromo (Portimão/Alvor), sobretudo aqueles que acomodam as equipas que participam na prova. Mais de 60 por cento dos clientes são portugueses. De outros países vêm, nomeadamente, de Espanha e França. Era para vir um grande número de turistas de Inglaterra, mas devido à situação atual, com as medidas impostas pelas autoridades de saúde e as restrições no Reino Unido, optaram por não viajar até ao Algarve.
Litoralgarve – Quanto custa, em média, uma estadia numa unidade turística?
Elidérico Viegas – Os preços variam em função das condições contratadas, havendo opções para alojamento e pequeno almoço e tudo incluído.
(n. d. r – nomeadamente de 84 euros, 94 e 111 a 171 euros por dia, entre outros preços)
As equipas tenderão a fazer as refeições nos hotéis, enquanto os espetadores irão optar mais pelo alojamento e pequeno almoço.
Sabemos que alguns hotéis irão encerrar a seguir ao final da prova.
Litoralgarve – Em face da pandemia da Covid-19, quais as medidas adotadas nessas unidades para evitar ajuntamentos? Há restrições, condicionalismos, na circulação dos clientes e no acesso, nomeadamente a bares e restaurantes?
Elidérico Viegas – Todos os hotéis e empreendimentos turísticos do Algarve dispõem de Planos de Contingência e Manuais de Boas Práticas, cuja aplicação se vem revelando muito eficaz no combate à pandemia. Os hotéis e empreendimentos turísticos do Algarve constituem um exemplo a seguir nesta matéria.

Litoralgarve – E como encara as restrições impostas nos estabelecimentos de diversão noturna noutras zonas, designadamente ao nível de horários, com o encerramento mais cedo?
Eidérico Viegas – As restrições impostas nestes estabelecimentos são as que decorrem das medidas aprovadas sobre esta matéria e deverão ser cumpridas na íntegra. A afluência reduzida resulta de outros fatores que não das restrições impostas.
Elidérico Viegas – Que alertas gostaria de deixar na semana em que o Algarve recebe o Grande Prémio de Portugal de Fórmula 1?
Elidérico Viegas – O Algarve está especialmente vocacionado para receber eventos desta natureza, dispondo de um conjunto de infraestruturas e equipamentos capazes de responder às solicitações da procura. Neste contexto, compete às entidades competentes nestas áreas garantir a continuidade da prova nos anos seguintes.
Litoralgarve – Qual é a sua expectativa para o Moto GP de Portugal, de 20 a 22 de Novembro? Já existem reservas nos hotéis? De onde vêm os visitantes? Que impacto poderá ter este evento em termos económicos na região?
Elidérico Viegas – Salvaguardadas as devidas distâncias, a Moto GP não será muito diferente da Fórmula 1. Trata-se de dois eventos, cuja realização deve ser assegurada nos anos vindouros, caso contrário não passarão de uma espécie de tiro no escuro.
O número de visitantes, designadamente estrangeiros, será também muito reduzido, atendendo às circunstâncias que estamos a atravessar.
Assim sendo, a procura nos hotéis vai centrar-se muito nas equipas e nas pessoas que gravitam em torno destas provas, nomeadamente comunicação social, ‘sponsors’, etc.
“OS BRITÂNICOS BAIXARAM 88,9 POR CENTO, O CORRESPONDENTE A 626 MIL HÓSPEDES E 3,8 MILHÕES DE DORMIDAS” (…) “A NOSSA DIPLOMACIA ECONÓMICA VOLTOU A NÃO FUNCIONAR. TAMBÉM AQUI, E MAIS UMA VEZ, O ALGARVE ACABOU PREJUDICADO PELA VISÃO CENTRALISTA DE LISBOA”
Litoralgarve – Que balanço faz sobre a época turística no Algarve? Quanto perderam os hotéis e empreendimentos turísticos devido à Covid-19?
Elidérico Viegas – A época revela os piores resultados turísticos de sempre no Algarve. As receitas diminuíram 635,8 milhões de euros e as dormidas baixaram 10,3 milhões, apenas neste período. As estimativas apontam para que, em 2020, as receitas diretas dos hotéis e empreendimentos turísticos baixem cerca de 800 milhões de euros. A faturação direta anual dos hotéis e empreendimentos turísticos do Algarve rondou, em 2019, os 1.250 milhões de euros.
Litoralgarve – Qual o impacto da perda de clientes britânicos? E como avalia a decisão do governo inglês ao impor quarentena, no regresso ao país, aos turistas provenientes, nomeadamente do Algarve?
Elidérico Viegas – Os britânicos baixaram 88,9%, o correspondente a 626 mil hóspedes e 3,8 milhões de dormidas. É verdade que, no que ao Algarve diz respeito, a medida foi profundamente injusta, uma vez que o Algarve ficou, praticamente, fora da pandemia. Mas, por outro lado, temos de reconhecer que os nossos responsáveis, designadamente o governo não soube fazer valer os nossos pontos de vista junto das autoridades britânicas. A nossa diplomacia económica voltou a não funcionar. Também aqui, e mais uma vez, o Algarve acabou prejudicado pela visão centralista de Lisboa.
Litoralgarve – Como tem estado o mercado português? E quanto a outros mercados, como tem sido a evolução?
Elidérico Viegas – O mercado interno foi o único que registou uma subida relativamente ao ano anterior (+32%). Todos os mercados externos registam descidas muito substantivas, superiores a 50%. Esta situação mantém-se inalterada e, infelizmente, não se vai alterar no futuro próximo.
“O AUMENTO DO DESEMPREGO, FACE AO PERÍODO HOMÓLOGO, RONDA OS 2OO POR CENTO”
Litoralgarve – Quantos trabalhadores foram dispensados dos hotéis e empreendimentos turísticos por causa desta crise?
Elidérico Viegas – Os números do desemprego atingiram níveis nunca alcançados na região, indo agravar-se no próximo futuro, na medida em que muitas empresas vão proceder à extinção de postos de trabalho, confrontadas com diminuições anormais na procura, bem como com a falta de apoios ao emprego, através, nomeadamente, de programas de formação de ativos nas empresas.
O aumento do desemprego, face ao período homólogo, ronda os 200 por cento.
Litoralgarve – Que apoios receberam do governo as empresas afetadas?
Elidérico Viegas – As empresas beneficiaram, numa primeira fase, do chamado lay-off simplificado, moratórias fiscais e bancárias e linhas de crédito, à semelhança do que se verificou para os restantes sectores de atividade em todo o País.
Contudo, o segundo pacote de medidas, “Apoios à Retoma Progressiva”, teve pouco impacto nas empresas hoteleiras e turísticas, já que se encontra desajustado e desenquadrado das necessidades empresariais do sector, nomeadamente no Algarve.
O governo esteve bem numa primeira fase, tendo tomado as medidas que a situação impunha, mas tardou em perceber a dimensão real dos impactos nas empresas hoteleiras e turísticas do Algarve, resultantes do prolongamento e agravamento da crise, no pressuposto de uma retoma que não só não se verificou como não se vai verificar proximamente.
“ESPERAMOS QUE OS PORTUGUESES VENHAM EM MASSA FAZER A PASSAGEM DE ANO AO ALGARVE”
Litoralgarve – E como vai ser a chamada época baixa? Quantas unidades turísticas encerram no Algarve? São mais, ou menos do que em 2019?
Elidérico Viegas – A época baixa é, tradicionalmente, deficitária. Este ano não vai ser diferente, havendo até mais unidades hoteleiras e empreendimentos turísticos a encerrar entre os meses de Novembro a Abril, à volta de 70%. É preciso termos bem presente que cerca de 20% dos estabelecimentos não chegaram a reabrir durante a época turística.
Litoralgarve – Qual o impacto do golfe?
Elidérico Viegas – O golfe acompanha, no essencial, o que se verificou nos empreendimentos classificados oficialmente, apresentando quebras na ordem dos 70 por cento, mais uma consequência direta da não inclusão de Portugal nos corredores aéreos com o Reino Unido, o maior mercado emissor de turistas de golfe para o Algarve.
Litoralgarve – Como perspetiva a passagem-de-ano no Algarve? Há condições para realizar ‘reveillons’, mesmo de forma condicionada, como foram levadas a efeito, por exemplo, a Festa do Avante, na Amora, e as celebrações religiosas a 13 de Outubro, no Santuário de Fátima?
Elidérico Viegas – Tudo indica que, à semelhança do que se verificou durante a época turística, o mercado interno virá em força para o Algarve no fim de ano, tanto mais que está “impedido” de viajar para o exterior.
Cumpridas as regras das autoridades de saúde, assim como os Manuais de Boas Práticas e Planos de Contingência, os hotéis e empreendimentos turísticos realizarão os seus réveillons normais.
Não podemos esquecer que a grande maioria dos empreendimentos vai estar encerrada nesta altura e que o fim de ano gera estadias muito curtas. Esperamos que os portugueses venham em massa fazer a passagem de ano ao Algarve.
“TEMOS FORTES EXPECTATIVAS QUANTO A ALGUMA RETOMA A PARTIR DA PÁSCOA DO PRÓXIMO ANO”
Litoralgarve – Como encararia o cenário de um novo confinamento em Portugal?
Elidérico Viegas – Os fatores de incerteza causados pela pandemia continuam a ser muito elevados, quer no nosso País, quer a nível mundial. Enquanto não conseguirmos restabelecer a confiança nos consumidores de férias, conjugada com um receio enorme em viajar, o sector turístico mundial não irá recuperar no curto/médio prazos.
Só a cura para a doença poderá contribuir, decisivamente, para um regresso à normalidade. Não penso que isso ocorra nos tempos mais próximos.
Litoralgarve – Qual a sua expectativa em relação ao ano de 2021? O que mais o preocupa no Algarve e que alertas pretende deixar?
Elidérico Viegas – Temos fortes expectativas quanto a alguma retoma a partir da Páscoa do próximo ano. Porém, estamos condicionados, quer com a evolução da doença, por um lado, quer com fatores de ordem externa que não controlamos nem dominamos, por outro. Estão neste caso, por exemplo, a instabilidade que envolve o transporte aéreo, assim como os canais de comercialização e distribuição de férias, ambos muito afetados pela pandemia.
“O MUNDO NUNCA MAIS SERÁ O MESMO. O TURISMO TAMBÉM NÃO”
Litoralgarve – Que ilações retira desta crise provocada pela Covid-19?
Elidérico Viegas – As minhas ilações são as do cidadão comum, confrontados com uma situação nunca vivida anteriormente e, para a qual, ninguém tem soluções. Até há pouco tempo, ninguém pensaria que algo ou alguém reduziria o ser humano a uma insignificância atroz, perante forças invisíveis e incontroláveis. O ser humano é um ser finito e, por conseguinte, demasiado pequeno perante as forças cósmicas do divino e da natureza. Uma coisa parece certa: o Mundo nunca mais será o mesmo. O turismo também não.
Litoralgarve – É possível ao turismo no Algarve conviver com a pandemia?
Elidérico Viegas – O ser humano está condenado a continuar a viver, com ou sem pandemia. Temos hoje uma perceção mais precisa da dimensão da crise e do seu impacto na atividade turística e na economia em geral, embora conscientes que, após a pandemia, o turismo vai regressar novamente ao Algarve, de forma gradual e progressiva.
José Manuel Oliveira