CARLOS TENDEIRO, GUARDA-NOTURNO EM LAGOS: “NÃO SE AVIZINHAM NOITES FÁCEIS”

“Prevê-se uma crise económica, o aumento do desemprego, reduções salariais e afins, aliado ao facto de o Governo estar a ponderar libertar alguns presos, sendo certo que a reinserção na sociedade irá estar limitada pelo que está a acontecer no nosso País e até na Europa”. O alerta é de Carlos Tendeiro, de 38 anos, guarda-noturno em Lagos, desde 2002, e presidente da Direção da Associação Sócio-Profissional dos Guardas-Noturnos (ASPGN), desde 2010, que, nesta entrevista ao ‘Litoralgarve’, perspectiva: “muito está em jogo e certamente os tempos que se avizinham não serão fáceis para ninguém.” Contudo, assegura, “estaremos cá para ver e tentar travar qualquer pico de criminalidade logo no início como tem sido feito ate à data.” E aproveita para lançar um desafio à Câmara Municipal de Lagos sobre a colaboração que poderia ser prestada pelos guardas-noturnos neste concelho.

Litoralgarve – Como têm sido as noites em Lagos nesta fase da quarentena imposta pelo estado de emergência em Portugal, devido ao novo coronavírus, Covid-19? 

Carlos Tendeiro – Até à data têm sido tranquilas, mas ainda estamos muito no início deste estado de emergência.

Da segurança à compra de medicamentos

Litoralgarve – Que serviços, nomeadamente aos mais idosos, pode prestar como guarda-noturno?

Carlos Tendeiro – Tudo o que esteja ao meu alcance, nomeadamente compra de medicamentos, para além do serviço de segurança prestado. Muitos dos que contribuem para o meu serviço fazem-no para reforçar o seu sentimento de segurança e por saberem que se precisarem estarei lá no mais curto espaço de tempo e por vezes por ser a pessoa mais próxima para o fazer, seja por não terem familiares por perto ou por serem cidadãos estrangeiros.

 Nesta fase foi estendida a entrega para medicamentos não urgentes, de forma a evitar que se tenham que deslocar durante o dia a uma Farmácia. Mas tal foi também estendido à generalidade de quem contribui para o meu serviço, sejam eles residentes ou comerciantes, idosos ou não.

Litoralgarve – E tem recebido muitos pedidos de auxílio? Quantos por noite?

Carlos Tendeiro – Com já referido, as noites têm sido tranquilas. Os únicos pedidos que tenho recebido é o de verificação de alarmes que estão diretamente ligados ao meu telemóvel, ou através de centrais de segurança, ou por detetar os seus acionamentos ao longo do patrulhamento efetuado. Também aqui quem contribui nem chega a ser incomodado, uma vez que se tem tratado de falsos alarmes e só chegam a saber do acionamento do alarme por meios de comunicação previamente acordados.

Litoralgarve – Onde é que os sem-abrigo passam as noites em Lagos?

Carlos Tendeiro – Nos sítios de sempre, na rua ou em casas devolutas, sendo de notar que na rua parece que estão menos, pelo menos nos sítios habituais, nomeadamente na zona do Mercado do Levante.

Rendimento Social de Inserção e acesso a metadona ajudam toxicodependentes 

Litoralgarve – Numa recente reportagem em Lagos, publicada no «Litoralgarve», vários populares alertavam para o risco de ocorrerem assaltos nesta altura por parte de indivíduos toxicodependentes para tentarem conseguir dinheiro para comprar droga. Admite essa situação?

Carlos Tendeiro – Na segurança todas as situações estão em aberto, mas posso dizer que em dezenas de indivíduos que já “apanhei” pelos mais variados ilícitos, os dedos de uma mão devem dar para contar aqueles que o faziam para sustentar o vício da droga. E não é assim tão difícil perceber o porquê, pois a generalidade deve receber o Rendimento Social de Inserção e tem acesso a metadona, pelo que esta fase que o País atravessa não lhe traz grandes alterações à vida que já tinham. De referir que apenas falo do que vejo e vivencio durante as madrugadas.

“Temos uma cidade bastante segura e a presença policial nas ruas faz-se notar cada vez mais”

Litoralgarve – Se o estado de emergência em Portugal se prolongar durante os meses de Abril e Maio, pelo menos, como perspectiva as noites nessa altura, em que o calor, normalmente, já se faz sentir?

Carlos Tendeiro – Não se avizinham noites fáceis. Prevê-se uma crise económica, o aumento do desemprego, reduções salariais e afins, aliado ao facto de o Governo estar a ponderar libertar alguns presos, sendo certo que a reinserção na sociedade irá estar limitada pelo que está a acontecer no nosso País e até na Europa. Mas não vamos estar a criar alarmismos, até porque temos uma cidade bastante segura e a presença policial nas ruas faz-se notar cada vez mais. Estaremos cá para ver e tentar travar qualquer pico de criminalidade logo no início como tem sido feito até à data.

Litoralgarve- E se o estado de emergência, com mais restrições, abranger o Verão, como vai ser em Lagos?

Carlos Tendeiro – Essa é uma resposta que acho que ninguém pode dar. Apenas dependerá da evolução, ou do retrocesso, da pandemia. Muito está em jogo e certamente os tempos que se avizinham não serão fáceis para ninguém, por isso é importante todos nós respeitarmos as orientações de todas as entidades competentes.

Litoralgarve – Recebeu algum pedido de colaboração por parte da Câmara Municipal de Lagos ou da Junta de Freguesia de São Gonçalo?

Carlos Tendeiro – Por parte da Câmara Municipal não, mas tal também não acontece desde que o Dr. Júlio Barroso deixou o seu cargo de presidente e a quem aproveito para endereçar os meus cumprimentos por tudo o que fez pelos Guardas da cidade.

Por parte da Junta de Freguesia de São Gonçalo de Lagos, a colaboração é uma constante, com variados canais de comunicação disponibilizados desde que iniciei funções, sendo de enaltecer o empenho de todos, seja do Presidente da Junta de Freguesia, seja dos seus funcionários.

Os serviços de Guarda-Nocturno que poderiam ser prestados em colaboração com a Câmara Municipal de Lagos

Litoralalgarve – Que tipo de colaboração poderia existir com a Câmara Municipal?

Carlos Tendeiro – Não entrando na vertente de contratualização dos serviços de Guarda-Nocturno, penso que muito poderia ser feito, como exemplo, sinalização de pessoas que vivem na rua ou em casas devolutas, de forma a ser mais fácil ajudar estas pessoas em programas já existentes e da autoria da Câmara Municipal. E apoio a pessoas vulneráveis, seja pela idade avançada, seja por doenças crónicas.

Volto ao tema dos medicamentos. Certamente muitos idosos da cidade vivem praticamente na solidão, em locais isolados ou longe de familiares, com dificuldades de locomoção ou falta de meios de transporte próprio, ao que o estado de emergência aconselha a que fiquem em casa. Aqui podíamos ser muito uteis e facilitar a entrega dos medicamentos ao domicílio, de forma gratuita e enquanto durar este estado de emergência.

Os Guardas-Nocturnos têm de prestar auxílio à Proteção Civil se solicitado. Ora, se existe algum plano de emergência inerente a esta fase que o País está a atravessar, estamos para já excluídos. Certamente poderá a Proteção Civil Municipal solicitar apoio a qualquer momento, mas sem termos qualquer formação ou planificação de intervenção. Não esquecendo a questão da segurança e o que esta situação possa vir alterar na proteção de pessoas e bens, penso que todos os cenários tenham que ficar em aberto e que deva de haver planos prévios de forma a não sermos apanhados desprevenidos.

Apoio prestado à Junta de Freguesia de São Gonçalo de Lagos tem evitado acidentes

Litoralalgarve – E qual a colaboração com a Junta de Freguesia de São Gonçalo de Lagos?

Carlos Tendeiro – Para além da proteção de bens da Junta de Freguesia, sempre que deteto alguma situação da competência desta entidade e que coloque em causa a segurança de pessoas e/ou bens, comunico à mesma. Posso dar dois exemplos: o risco de queda de um candeeiro por abatimento de terras e aquando da construção da Escola Tecnopólis o perigo para pessoas que circulassem junto dos viveiros da Câmara Municipal, uma vez que havia um grande desnível de terrenos, o que poderia levar a ferimentos graves numa vedação ali existente. E em ambos os casos, a Junta de Freguesia isolou de imediato as áreas e as situações foram resolvidas.

Existindo outras situações, são resolvidas no imediato, como por exemplo, queda de sinais de trânsito, roturas da canalização de água e queda de ramos de árvores, entre outras tantas.

Autor: José Manuel Oliveira

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