Carlos Tendeiro, guarda-nocturno, em entrevista ao ‘Litoralgarve’: “No centro da cidade de Lagos, há indivíduos que tentam enganar essencialmente os turistas, com produto que não é estupefaciente, mas apenas com alteração legislativa se poderia combater tal situação”
“O problema é o sentimento de insegurança que isso origina junto da população e dos turistas em geral”, alerta Carlos Tendeiro, natural de Agualva-Cacém e residente em Lagos, onde completou, no passado dia 05 de Agosto, vinte anos na profissão de guarda-nocturno. Presidente da Direção da Associação Sócio-Profissional dos Guardas-Nocturnos, com sede em Lisboa, deixa avisos, ao nível da segurança, à população lacobrigense e aos proprietários de empresas, para tomarem os devidos cuidados. Contudo, garante que “Lagos não é uma cidade insegura, bem pelo contrário”.
Solteiro e pai de dois filhos, Carlos Tendeiro, de 41 anos de idade, estagiou durante pouco mais de três anos na empresa J. Plácido Santos & Associados, em Lagoa, com prorrogação inerente à pandemia Covid-19, sendo advogado desde 6 de junho de 2022.
Litoralgarve – Depois de dois anos de pandemia da Covid-19, como têm sido as noites na cidade Lagos? Que problemas existem? E como os enfrenta e resolve?
Carlos Tendeiro – Muita coisa mudou, até porque durante a pandemia muitas foram as restrições à circulação na via pública.
Existiram alguns focos de criminalidade, diretamente levei à detenção ou identificação de alguns suspeitos.
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“Recentemente, fui vítima de danos na minha viatura, por parte de um indivíduo problemático e com visíveis problemas de álcool, tendo acabado detido por danos, injúrias e agressão. Os danos ultrapassam os 150 euros, obrigando a uma reparação de bate-chapas e pintura.”
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Litoralgarve – Que tipo de criminalidade surgiu e onde foi cometida?
Carlos Tendeiro – Foram assaltos a residências e estabelecimentos comerciais. Um dos suspeitos esteve preso preventivamente, mas já se encontra em liberdade.
Litoralgarve – De quem se tratava?
Carlos Tendeiro – Portugueses e residentes em Lagos.
E acrescentou:
– Recentemente, fui vítima de danos na minha viatura, por parte de um indivíduo problemático e com visíveis problemas de álcool, tendo acabado detido por danos, injúrias e agressão.
Litoralgarve – Quem é esse indivíduo e o que lhe aconteceu?
Carlos Tendeiro – Foi notificado para comparecer em tribunal, desconhecendo-se o que fez. É português e tem mais de 40 anos.
Litoralgarve – E o que aconteceu à sua viatura? Que danos sofreu e quanto custaram os prejuízos?
Carlos Tendeiro – Os danos ultrapassam os 150 euros, obrigando a uma reparação de bate-chapas e pintura. Aguardo o desenvolvimento do processo, sendo que irei apresentar pedido de indemnização civil, embora saiba de antemão que o autor não tem grande capacidade financeira. O mais certo será eu nada receber.
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“Houve um aumento de vandalismos através de ‘tags’ ou ‘grafities’, que de arte pouco ou nada têm, sendo que tal não é crime, salvo exceções legalmente previstas. Esse tipo de vandalismo verifica-se especialmente no centro da cidade.”
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Litoralgarve – Há vandalismo, insegurança em Lagos? Fala-se que se vende droga em toda a cidade…
Carlos Tendeiro – Vandalismo sempre existiu, mas houve um aumento de vandalismos através de ‘tags’ ou ‘grafities’, que de arte pouco ou nada têm, sendo que tal não é crime, salvo exceções legalmente previstas. Esse tipo de vandalismo verifica-se especialmente no centro da cidade. Os ‘grafities’ são proibidos, salvo exceções. Contudo, só é crime em poucos casos previstos na lei.
Acerca da droga, muito do que se fala, são indivíduos que tentam enganar essencialmente os turistas, com produto que não é estupefaciente, mas apenas com alteração legislativa se poderia combater tal situação. No que respeita a droga propriamente dita, não me cabe a mim avaliar essa situação, mas efetivamente Lagos não é uma cidade insegura, bem pelo contrário.
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“Criminalizar o aliciamento à compra de produto estupefaciente, ou outro, como deste se tratasse, por exemplo”, seria uma das formas de combater o tráfico de droga na via pública, onde se vende “muito louro prensado ou cera” para engano de turistas
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Litoralgarve – Em que locais da cidade tentam enganar os turistas com venda de droga, como se fosse, nomeadamente, haxixe, e que, afinal, não é produto estupefaciente? E de que se trata?
Carlos Tendeiro – Essa situação ocorre no centro da cidade de Lagos e muito do produto é louro prensado ou cera, por exemplo. Os turistas são enganados, e bem, o problema é o sentimento de insegurança que tal origina junto da população e turistas em geral. Mas, repito, só com alteração legislativa se poderia ir mais além.
Litoralgarve – O que é necessário em termos legislativos para combater a situação?
Carlos Tendeiro – Criminalizar o aliciamento à compra de produto estupefaciente, ou outro, como se deste se tratasse, por exemplo.
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“Ultimamente tem a cidade recebido dezenas de operadores TVDE, o que tem causado alguns transtornos, nomeadamente a paragem em plena faixa de rodagem, ou mesmo circulação em sentido contrário”
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Litoralgarve – Muitas vezes durante a noite vê-se trânsito em contramão em Lagos e velocípedes sem luz, entre outras irregularidades. Como é possível controlar este tipo de situações?
Carlos Tendeiro – Essa é uma realidade, ultimamente tem a cidade recebido dezenas de operadores TVDE, o que tem causado alguns transtornos, nomeadamente a paragem em plena faixa de rodagem, ou mesmo circulação em sentido contrário, tendo já por duas vezes quase colidido com estas viaturas em sentido contrário.
Mais uma vez não vou entrar numa área que não é a minha, mas posso adiantar que vejo tanto a PSP – Polícia de Segurança Pública, como a Polícia Municipal, a atuar em conformidade sempre que detetam infrações. Não conseguem é estar em todo o lado, sendo que nesta altura do ano as ocorrências são mais que muitas e não facilita o trabalho destas forças de segurança.
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“Com turistas também vêm indivíduos que se dedicam à prática de crimes, a tentação é muita, os descuidos também, o que leva por vezes à facilidade de furtar objetos ou dinheiro. (…) As pessoas nunca devem deixar objetos de valor à vista no interior dos veículos. E devem fechar sempre as portas à chave, entre tantos outros cuidados.”
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Litoralgarve – Como tem visto este Verão, e em particular o mês de Agosto, tradicionalmente conhecido pela forte presença de turistas portugueses, a que se juntam muitos visitantes de outras nacionalidades, no Algarve? Que riscos existem e que alertas pretende deixar às pessoas e aos responsáveis de entidades oficiais? O que é preciso fazer para garantir segurança?
Carlos Tendeiro – Os alertas são sempre os mesmos, a segurança começa em cada um de nós e só quem vem de férias é que está de férias. Mas com turistas também vêm indivíduos que se dedicam à prática de crimes, a tentação é muita, os descuidos também, o que leva por vezes à facilidade de furtar objetos ou dinheiro.
Temos um reforço da PSP, através da UEP – Unidade Especial de Polícia, temos a visibilidade da Polícia Municipal, mas se deixarmos um vidro do carro aberto, uma janela de casa aberta sem ninguém no interior, uma porta de um estabelecimento comercial aberta durante a noite e por esquecimento, ou mesmo um telemóvel ou uma carteira em cima de uma mesa de esplanada, e se ocorrer um furto, não devemos culpar aqueles que tudo fazem para prevenir o crime.
As pessoas nunca devem deixar objetos de valor à vista no interior dos veículos. E devem fechar sempre as portas à chave, entre tantos outros cuidados.
Litoralgarve – Referiu que, no Verão, também vêm para o Algarve indivíduos que se dedicam à prática de crime. Que tipo de crimes?
Carlos Tendeiro – De tudo um pouco, carteiristas, assaltos a residências, estabelecimentos comerciais, roubo. Mas muito o furto de ocasião.
Litoralgarve – Os estabelecimentos estão seguros, ou existem lacunas? Que problemas sente na via pública?
Carlos Tendeiro – A segurança nunca é demais e a segurança desses espaços é da responsabilidade dos proprietários. Por isso, é difícil responder a essa questão, mas efetivamente nota-se por vezes falta de investimento nessa área, ou investimento errado.
“Já me aconteceu, num assalto de 30 segundos, em que foram furtados mais de 40 mil euros, conseguir intercetar os autores e tendo sido posteriormente recuperado todo o material furtado, porque o alarme está ligado diretamente ao meu telemóvel. Caso estivesse ligado a uma central de segurança, não teria sido possível, pois chegam a demorar mais de oito minutos a comunicar o disparo de alarme.”
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Litoralgarve – A que tipo de investimento errado se refere? E o que é necessário para garantir segurança aos estabelecimentos?
Carlos Tendeiro – Podemos começar nos alarmes ligados a centrais de segurança, uma despesa mensal avultada, quando, afinal, existem alarmes no mercado sem esses custos e com aviso de intrusão em tempo real.
Já me aconteceu num assalto de 30 segundos, em que foram furtados mais de 40 mil euros, conseguir intercetar os autores e tendo sido posteriormente recuperado todo o material furtado, porque o alarme está ligado diretamente ao meu telemóvel. Caso estivesse ligado a uma central de segurança, não teria sido possível, pois chegam a demorar mais de oito minutos a comunicar o disparo de alarme.
De resto, existe muito por fazer, mas fazemos questão de comunicar essas situações a quem contribui para o nosso serviço.
Litoralgarve – O que é preciso fazer para evitar problemas, incidentes, e garantir a necessária segurança das pessoas e bens?
Carlos Tendeiro – Essencialmente cada um ser um ator ativo na segurança comunitária, comunicar às autoridades qualquer suspeita que tenha, pois a segurança é de cada um de nós e deve começar na prevenção.
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Existem três guardas-nocturnos no concelho de Lagos, dois em Portimão, dois em Loulé e um em Faro. A nível nacional, há “cerca de 300, sendo que o ideal seria pelo menos um por freguesia, o que permitiria a criação de milhares de postos de trabalho e o reforço efetivo da segurança comunitária”
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Litoralgarve – Quantos guardas-nocturnos existem no concelho de Lagos? Em que zonas? Faltam profissionais?
Carlos Tendeiro – Existem três profissionais, dois na área da PSP e um na Vila da Luz. Há somente uma área vaga, que não é possível ocupar por falta de legislação referente à formação.
Litoralgarve – E quantos guardas-nocturnos há no Algarve? Em que concelhos?
Carlos Tendeiro – Penso que ainda existam oito, três deles em Lagos, dois em Portimão, dois em Loulé e um em Faro.
Litoralgarve – Qual é o número de guardas-noturnos em Portugal e quantos são necessários?
Carlos Tendeiro – Cerca de 300, sendo que o ideal seria pelo menos um por freguesia, o que permitiria a criação de milhares de postos de trabalho e o reforço efetivo da segurança comunitária.
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Se um guarda-nocturno “não ganhar cerca de 1.500 euros mensais, muito dificilmente exerce a profissão, inerente aos custos com o serviço e respetiva carga fiscal, que nunca serão, no total, menos de 500 euros”
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Litoralgarve – Quanto ganha, em média, por mês um guarda-noturno?
Carlos Tendeiro – É muito relativo, mas se não ganhar cerca de 1.500 euros mensais, muito dificilmente exerce a profissão, inerente aos custos com o serviço e respetiva carga fiscal, que nunca serão, no total, menos de 500 euros.
Litoralgarve – O que é necessário para estes profissionais?
Carlos Tendeiro – Apenas vontade política para manter a profissão. De resto, cabe a cada um de nós cativar a população em contribuir para o serviço, demonstrar a sua mais valia na rua.
Litoralgarve – Há mulheres a exercer esta atividade?
Carlos Tendeiro – Já não. Chegou a haver em Portimão, mas não por muito tempo.
“Esta associação é contra qualquer alteração legislativa que preveja a exclusividade de pagamento por parte dos municípios, uma vez que estaria a desvirtuar por completo a mais valia da profissão”
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Litoralgarve – O presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, reforçou a necessidade de os municípios poderem garantir os vencimentos dos guardas-nocturnos, considerando que esta é uma matéria que faz sentido “descentralizar”. “Quando se fala tanto de descentralização, porque é que não descentralizam isto para as câmaras municipais?”, questionou, recentemente, o autarca.
Como presidente da Direção da Associação Sócio-Profissional dos Guardas-Nocturnos, o que pensa desta ideia? Concorda ou discorda, e porquê?
Carlos Tendeiro – Esta associação é contra qualquer alteração legislativa que preveja a exclusividade de pagamento por parte dos municípios, uma vez que estaria a desvirtuar por completo a mais valia da profissão.
A atividade de Guarda-Nocturno sempre esteve especialmente dirigida às pessoas mais vulneráveis, por exemplo, idosos, em que por vezes os Guardas-Nocturnos são a sua única “companhia” durante a madrugada, aliado à compra de medicamentos, ou auxílio a deitar, por exemplo.
Os Guardas-Nocturnos acompanham muitas pessoas na entrada e saída da residência, têm alarmes dos seus clientes ligados diretamente aos seus telemóveis, de forma a permitir uma intervenção rápida e eficaz em caso de assalto, bem como o constante patrulhamento da via pública, de forma a proteger pessoas e bens.
O facto de serem remunerados como são permite uma proximidade de excelência com a população, recolhendo na rua muita informação preciosa que é veiculada às forças de segurança, prestando em conjunto com estas forças um serviço muito importante à comunidade.
O serviço destes profissionais é assegurado por contribuições de pessoas singulares ou coletivas. Ora, as câmaras municipais podem pagar aos “seus” Guardas, como pessoas coletivas que são, podendo fazer por ajuste direto, uma vez que não existe mais nenhuma entidade, singular ou coletiva, que possa fazer o mesmo serviço que estes profissionais.
E adiantou:
– Os municípios têm todo o interesse em contribuir para o serviço dos Guardas-Nocturnos, reforçando a segurança dos seus edifícios, mobiliário urbano, entre outros, estando assim a contribuir para o reforço efetivo da segurança comunitária, conforme as demais pessoas singulares ou coletivas, não sendo precisa qualquer alteração legislativa, mas tão somente vontade política.
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“Para se poder concorrer a uma licença de Guarda-Nocturno, o candidato terá de possuir a respectiva formação, e assim sendo parece-nos que a Câmara Municipal do Porto não está a cumprir a legislação em vigor, ao se preparar para licenciar dois candidatos sem a formação exigida por Lei”
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Não é verdade que os municípios promovam o equipamento e a formação, sendo que tais custas são da responsabilidade dos profissionais, a formação de uso e porte de arma está a cargo da PSP e ainda se aguarda a regulamentação da formação para os profissionais desde 2015, que ficará a cargo das forças de segurança, conforme estipulado na Lei 105/2015.
Carlos Tendeiro aproveitou para sublinhar:
– Aliás, para se poder concorrer a uma licença de Guarda-Nocturno, o candidato terá de possuir a respectiva formação, e assim sendo, parece-nos que a Câmara Municipal do Porto não está a cumprir a legislação em vigor, ao se preparar para licenciar dois candidatos sem a formação exigida por Lei.
Esta associação é da opinião de que a legislação em vigor é adequada à profissão, sendo que continuamos a aguardar a regulamentação da formação profissional.
Havendo vontade e coragem política, poderão ser criados centenas, ou mesmo milhares de postos de trabalho, caso houvesse, por exemplo um Guarda-Nocturno por freguesia, sem custas para o erário público e com os claros benefícios para a segurança comunitária. O que faz o serviço de Guarda-Nocturno funcionar é a sua independência, resiliência e assertividade.
Entrevista de José Manuel Oliveira