Reportagem ‘Litoralgarve’ – Festa em honra de Nossa Senhora dos Aflitos, na zona de Lagos, reúne mais de duas centenas de fiéis, entre animação, missa, procissão e recados do padre Nelson Rodrigues

“Maridos, amai as vossas mulheres, como Deus vos ama!” Foi este um dos pedidos do sacerdote de Lagos, durante a eucaristia no adro da Ermida de Nossa Senhora dos Aflitos, também conhecida por São Pedro do Pulgão, num apelo à harmonia e fidelidade entre casais, rejeitando boas “aparências” muitas vezes transmitidas no exterior, enquanto, em casa, ocorrem casos de violência doméstica. O evento religioso, que teve lugar no último domingo de Agosto, dia 25, foi organizado pelas paróquias do concelho de Lagos, com o apoio da Junta de Freguesia de São Gonçalo.

José Manuel Oliveira

“O senhor padre é fixe! Consegue mobilizar as pessoas, que o escutam com toda a atenção”, elogiava, ao repórter do ‘Litoralgarve’, uma senhora, enquanto comprava velas para as acender num espaço destinado para o efeito, a fim de cumprir uma promessa e rezar, em silêncio, junto ao adro da Ermida de Nossa Senhora dos Aflitos, no final da tarde do último domingo de Agosto, dia 25, após a homilia, seguida de procissão, como é habitual todos os anos, nesta zona situada perto do Aeródromo Municipal de Lagos, a poucos metros da Estrada Nacional nº. 125.

A organização daquele evento, designado por Festa de Nossa Senhora dos Aflitos, esteve a cargo das paróquias de Lagos e contou com o apoio da Junta de Freguesia de São Gonçalo e a presença do seu presidente, socialista Carlos Saúde Fernandes.

Filhoses, garrafas de água e de cerveja

No início da homilia, ao ar livre, o padre Nelson Rodrigues fez questão de se dirigir até junto dos fiéis, que estavam sentados, “para não adormecerem” em mais uma tarde de calor a convidar a “sonolência”, o que provocou risos e boa disposição entre os presentes. Enquanto isso, num balcão instalado à entrada do adro da Ermida de Nossa Senhora dos Aflitos, várias senhoras, que colaboram com as paróquias, aproveitavam para vender filhoses e outros doces, com a receita a reverter para as igrejas [de religião Católica] do concelho de Lagos. Numa área mais recatada, um bar improvisado, e com aviso de pré-pagamento, tinha à venda garrafas de água e de cerveja, proporcionando convívio entre vários populares. Também ali, a receita destinou-se às paróquias.

“Maridos, amai as vossas mulheres, como Deus vos ama!”. Este foi um dos recados do padre Nelson Rodrigues, num apelo à harmonia e fidelidade entre casais, rejeitando boas “aparências” muitas vezes transmitidas no “exterior”, enquanto, em casa, ocorrem casos de violência doméstica.

 “Se perguntarem onde é a Igreja de São Pedro, ninguém sabe onde é. Ninguém sabe onde é a Igreja de Nossa Senhora dos Aflitos de São Pedro do Pulgão.”

Por outro lado, aproveitando a festa anual em honra de Nossa Senhora dos Aflitos, junto à ermida com o mesmo nome, chamou a atenção para o seguinte: “se perguntarem onde é a Igreja de São Pedro, ninguém sabe onde é. Ninguém sabe onde é a Igreja de Nossa Senhora dos Aflitos de São Pedro do Pulgão.” E afinal, os fiéis estavam mesmo ao lado deste monumento de estilo manuelino e barroco, outrora designado por São Pedro do Pulgão e que passou a ser conhecido, simplesmente, por Nossa Senhora dos Aflitos. Tal resultou do facto de esta santa se ter transformado na protagonista pela devoção do povo e a evolução dos tempos. A ermida, onde se pode rezar, ainda mantém o sino, que tocou na hora da missa ao ar livre.

Nos séculos, XV, XVI e XVII, a construção de igrejas significavam “barreiras físicas para travar pandemias, pestes” próprias dessas épocas, num sentimento de fé das pessoas em devoção a santos protectores. Ou seja, “o povo a manifestar-se na rua, a sair à rua para rezar, o que era normal, acreditando em Deus” para a solução desses problemas. Há cinco anos, “devido à pandemia da Covid-19, houve confinamento”.

O pároco Nelson Rodrigues recordou que, nos séculos XV, XVI e XVII, a construção de igrejas significavam “barreiras físicas para travar pandemias, pestes”, próprias dessas épocas, num sentimento de fé das pessoas em devoção a santos protectores. Ou seja, “o povo a manifestar-se na rua, a sair à rua para rezar, o que era normal, acreditando em Deus” para a solução desses problemas.

Há cinco anos, “devido à pandemia da Covid-19, houve confinamento”, lembrou o sacerdote, em jeito de recado às decisões então tomadas pelo poder político e que tantos constrangimentos provocaram na sociedade.

“Hoje, poucos de nós vivemos, ou temos o dom do sustento, a partir da terra e do cuidado dos animais. Ainda assim, continuamos a necessitar da terra e dos animais” para sobreviver

Num mundo em transformação ao nível económico e social, os recados não ficaram por aqui. “Hoje, poucos de nós vivemos, ou temos o dom do sustento, a partir da terra e do cuidado dos animais. Ainda assim, continuamos a necessitar da terra e dos animais”, observou, a determinada altura o padre Nelson Rodrigues, pedindo “um minuto de silêncio de oração” por todos aqueles que “garantem o sustento” nessas actividades e, também, “por todos os que contribuem para que o pão chegue até às nossas mesas.”

Perto do altar improvisado no adro da Ermida de Nossa Senhora dos Aflitos, foi colocado, num lado, o andor com a figura desta santa, e no outro, o de São Luís, os quais acabaram por integrar, pouco depois, a procissão. “Não foi fácil sair, pois [a figura de] São Luís irá para restauro”, notou, a propósito, o pároco Nelson Rodrigues.

“Inspiração em São Luís”, o jovem, de 23 anos, que abdicou do trono, do dinheiro, para ser santo

Em homenagem a este santo, lembrou o facto de, quando era um jovem, de 23 anos, no século XIII, após a morte do seu irmão mais velho, ter abdicado do trono, “da opulência, do poder, do dinheiro, para se entregar a Deus.” “Abdicou do dinheiro, do poder, para ser santo, com obediência, em prol dos pobres”, destacou o sacerdote, apelando aos fiéis “inspiração em São Luís”.

Na procissão, mulheres transportam andor com a figura de Nossa Senhora dos Aflitos e homens levam o de Luís, que vai para restauro

Depois da eucaristia, pelas 18h47m. a procissão, que juntou mais de duas centenas de pessoas (número superior à cerimónia realizada em Agosto de 2023), como constatou o ‘Litoralgarve’, saiu do adro da Ermida de Nossa Senhora dos Aflitos. Na frente, seguiu o andor com a figura de São Luís, levado aos ombros por quatro homens. Mais atrás, quatro acólicas, algumas jovens, transportavam o andor com a figura de Nossa Senhora dos Aflitos. O trajecto foi o habitual, com a procissão a passar na Rua de Nossa Senhora dos Aflitos, onde, agora, se ergue mais uma construção, e a poucos metros de um plano de água, local aproveitado, nessa altura, para a prática de desportos náuticos, junto ao Aeródromo Municipal de Lagos. Em seguida, o cortejo, que incluiu várias paragens para orações, conduzidas pelo padre Nelson Rodrigues, com o apoio de um microfone, além de altifalantes transportados por um homem, passou pela Rua de São Pedro do Pulgão e pelo Beco de São Pedro de Pulgão, onde deu a volta.

Eis alguns dos cânticos escutados durante a procissão: “Nossa Senhora do Sim, Maravilha: Virgem Mãe!

Cuida, Maria, de mim, E que eu diga Sim Também

Chamou o Anjo de Deus: Maria não tenhas medo,

Serás mãe do Filho Eterno, Eis revelado o segredo!”

“Quem dá mais?” O leilão de um pão grande, por 42 euros, mas que valeu sessenta, a mesma quantia oferecida em 2023, a reverter para a paróquia

Após os dois andores terem regressado, pelas 19h.17m., ao adro da Ermida de Nossa Senhora dos Aflitos, e antes de dar por concluída a festa, o padre Nelson Rodrigues, na sequência da indicação de uma colaboradora, ainda teve de leiloar um pão grande, que, pelos vistos, tinha ficado esquecido noutro leilão. “Quem dá mais? Quarenta [euros], um. Quarenta, dois. Quarenta, três. Quem dá 41? Façam uma ‘vaquinha entre todos’. Senhor Presidente [da Junta de Freguesia de São Gonçalo de Lagos] acaba assim? [Carlos Saúde Fernandes nem se manifestou, enquanto ouvia gargalhadas entre os fiéis – n.d.r.] Por amor de Deus! É para a paróquia, que necessita de dinheiro!”, dizia o sacerdote, que habitualmente preside a missas nas igrejas do concelho de Lagos. Como ninguém mais subiu a parada, apesar dos risos durante este leilão, o pão acabou por ser entregue a uma senhora por 42 euros, mas que pagou sessenta, por ser o mesmo valor do ano passado.

“Este senhor ainda é jovem e pode ir longe na sua missão ao serviço da Igreja Católica. Tem um excelente poder de oratória, que até comparo ao do Cardeal Américo de Aguiar, actual Bispo de Bispo de Setúbal e que presidiu à Fundação responsável pela Jornada Mundial da Juventude, realizada no mês de Agosto, em Lisboa”, destaca, ao ‘Litoralgarve’, um popular após as cerimónias religiosas

“O padre Nelson Rodrigues é muito culto, tem o dom da palavra para cativar as pessoas, no seu quotidiano, e até se pode tornar uma voz incómoda para algumas pessoas por dizer as verdades. O recado que deixou durante a homilia é exemplo disso, quando apelou aos maridos para amar as suas mulheres e não tornar o casamento numa fachada, o que, infelizmente, acontece, hoje, em dia, com muitos casais”

No final, António Cardoso, residente em Lisboa e de férias na cidade de Lagos, em declarações ao ‘Litoralgarve’, não poupava elogios ao padre Nelson Rodrigues, nesta Festa em honra de Nossa Senhora dos Aflitos: “Este senhor ainda é jovem e pode ir longe na sua missão ao serviço da Igreja Católica. Tem um excelente poder de oratória, que até comparo ao do Cardeal Américo de Aguiar, actual Bispo de Bispo de Setúbal e que presidiu à Fundação responsável pela Jornada Mundial da Juventude, realizada no mês de Agosto de 2023, em Lisboa. O padre Nelson Rodrigues é muito culto, tem o dom da palavra para cativar as pessoas, no seu quotidiano, e até se pode tornar uma voz incómoda para algumas pessoas por dizer as verdades.”

E acrescentou: “O recado que deixou durante a homilia é exemplo disso, quando apelou aos maridos para amar as suas mulheres e não tornar o casamento numa fachada, o que, infelizmente, acontece, hoje, em dia, com muitos casais”. “O papel da mulher tem de ser valorizado, pois é ela quem dá os filhos à luz, tendo-os, no seu ventre, durante nove meses” de gestação, sublinhou António Cardoso, enquanto segurava a neta, de apenas dois anos, acompanhado pela filha.

Já nas despedidas, muitos fiéis aproveitavam para comprar artigos religiosos, numa das bancas, nomeadamente terços e velas colocadas em recipientes, com a imagem de Nossa Senhora dos Aflitos. Poucos metros mais adiante, o espaço reservado a velas acesas estava cheio, com pessoas em orações. E à saída do adro da ermida, bolos e filhoses acabaram por esgotar numa tarde animada, com calor e algum vento à mistura.