Mais de 300 fiéis na Procissão do Senhor dos Passos, em Lagos, entre apelos ao fim das guerras, “misericórdia” para refugiados de países africanos e outros recados

O evento foi organizado pelas Paróquias de Lagos e contou com o apoio da Câmara Municipal, Junta de Freguesia de São Gonçalo, Santa Casa da Misericórdia de Lagos, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários deste concelho, Filarmónica Lacobrigense 1º. de Maio, Associação de Paraquedistas das Terras do Infante e do Agrupamento dos Escuteiros 173 de Lagos.

O andor transportando a figura do Senhor dos Passos saiu da Igreja de Sebastião e foi ao encontro do de Nossa Senhora das Dores, sua Mãe, na Praça do Infante Dom Henrique, em frente à Igreja de Santa Maria. O regresso juntou os dois andores, perante a curiosidade de muitas pessoas, que aproveitaram para filmar, através dos seus telemóveis, a cerimónia religiosa em tempo de quaresma.

José Manuel Oliveira

«Onde mora a caridade e sabedoria, aí não há nem temor nem ignorância.

Onde mora a paciência e humildade, aí não há ira nem perturbação.

Onde mora a pobreza com alegria, aí não há cobiça nem avareza.

Onde mora o recolhimento e a meditação, aí não há desassossego nem dissipação.

Onde o amor de Deus guarda a porta, ai não pode entrar o inimigo.

Onde mora a misericórdia e descrição, aí não há nem superfluidade nem dureza de coração

Estas foram frases inseridas na “27ª. Exortação – As virtudes contrárias aos vícios – da autoria São Francisco, aos seus irmãos”, e proferidas por um dos padres que participaram na Procissão dos Senhor dos Passos, durante a tarde do dia 23 de Março de 2025 (um domingo), no âmbito das celebrações do período Quaresma, em Lagos, com mais de trezentos fiéis, como o ‘Litoralgarve’ pôde testemunhar.

Organizado pelas Paróquias de Lagos, o evento contou com o apoio da Câmara Municipal, da Junta de Freguesia de São Gonçalo, da Santa Casa da Misericórdia de Lagos, da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários deste concelho, da Filarmónica Lacobrigense 1º. de Maio, da Associação de Paraquedistas das Terras do Infante e Agrupamento dos Escuteiros 173 de Lagos.

 Depois da eucaristia, o andor com o Senhor dos Passos saiu da Igreja de São Sebastião, na procissão, percorrendo várias zonas desta cidade, entre as quais a Rua Conselheiro Joaquim Machado, Praça Luís de Camões, Rua Garrett e Praça Eannes, até chegar à Praça do Infante Dom Henrique, em frente à Igreja de Santa Maria. Seguiu-se uma pregação ao ar livre, após o que a procissão, também já com o andor de Nossa Senhora das Dores, regressou à Igreja de São Sebastião, num percurso que inclui, de novo, a Travessa do Mar, Rua Silva Lopes, Rua Lançarote de Freitas (onde fica situado o Centro Cultural de Lagos), a Rua Cândido dos Reis, Praça Luís de Camões e, finalmente, a Rua Conselheiro Joaquim Machado. É aí que se localiza a Igreja de São Sebastião. Vários agentes policiais garantiram a segurança ao nível da circulação do trânsito, enquanto outras pessoas (algumas até às janelas de habitações) aproveitaram para filmar, através dos seus telemóveis, a procissão.

“Celebrar a Paixão de Cristo não pode ser, em qualquer tempo ou lugar, motivo de saudosismos ou sentimentalismos ocos e vazios de sentido. Mais ainda: celebrar Cristo que, livremente, caminha para a Cruz, não pode ser motivo de pieguice, niquice ou lamechice”

Um dos sacerdotes começou por dizer: “Mais uma vez, aqui nos encontramos a fazer memória, a cumprir a tradição, da Paixão do Senhor, que, tradicionalmente, chamamos de Procissão dos Passos, onde revisitamos os últimos passos de Jesus no seu caminho derradeiro para a cruz. Mas celebrar a Paixão de Cristo não pode ser, em qualquer tempo ou lugar, motivo de saudosismos ou sentimentalismos ocos e vazios de sentido. Mais ainda: celebrar Cristo que, livremente, caminha para a Cruz, não pode ser motivo de pieguice, niquice ou lamechice.”

E prosseguiu: “Só que quem entende verdadeiramente a ressurreição, só quem crê num Cristo vivo, actuante e presente na nossa história, pode fazer com Ele este caminho até à Cruz, até ao Calvário, mas com os olhos e o coração postos na manhã do terceiro dia, na manhã da Ressureição. Nós, os cristãos, não vamos da Paixão e da Cruz à ressurreição, mas sim da Ressureição à Paixão e Cruz. A nossa fé e a nossa esperança não ficam em Sexta-Feira Santa, mas estendem-se ao luminoso Domingo de Páscoa, domingo da Ressureição do Senhor.”

A certa altura da Procissão, um dos padres, durante a leitura do texto, deixou outra mensagem: “Jesus encontra sua Mãe, enquanto era levado para a execução. Maria não desmaiou, apesar do vil espectáculo, onde a violência desumana desafiou o amor divino, e em que Jesus transformou um gesto de violência suprema, num acto de extremo amor! Maria não gritou de raiva ou desespero, não tentou impedir os soldados de torturá-lO mais. Olhou-O, olhos nos olhos, e entendeu que aquela era a anunciada Hora do Seu Filho.”

Continuando: “Com Maria, Mãe de Cristo, que estava de pé, junto à Cruz, nós detemo-nos, junto de todas as cruzes do homem de hoje, aos pés da Cruz, onde a Mãe padeceu profundamente com o seu Filho único e se associou com coração de mãe ao Seu sacrifício, consentindo com amor, na imolação do Corpo de Cristo, que d’Ela nascera. É precisamente com estas palavras que o Concílio Vaticano II nos recorda a «compaixão de Maria», em cujo coração se repercute tudo aquilo que Jesus sofre na alma e no corpo. As lágrimas derramadas ao pé da Cruz transformaram-se num sorriso que nada mais apagará, embora permaneça intacta a sua compaixão materna por nós. A tristeza de Maria faz dela não só a Mãe de Jesus, mas também a mãe de todos os seus filhos sofredores. Ela ficou de pé junto à cruz; ainda está lá e olha nos olhos de todos aqueles que são tentados a responder à dor com vingança, retaliação ou desespero. A tristeza faz do seu coração, um coração que abraça todos os seus filhos, estejam onde estiverem, oferecendo-lhes consolo e conforto maternal. Maria ensina-nos a contemplar Jesus sofredor e assim a não nos deixarmos oprimir ou azedar pela dor! Maria desafia-nos a acolher a dor no coração, até que ela venha a dar o fruto da compaixão!”

“O nosso pensamento volta-se hoje e muito particularmente para todas as mulheres que sofrem no mundo, que sofrem, tanto no sentido físico como psicológico ou moral. Neste sofrimento, uma parte é devida à sensibilidade própria da mulher, mesma que ela, com frequência, saiba resistir ao sofrimento, mais do que o homem”

“É difícil enumerar estes sofrimentos, é difícil nomeá-los todos: podem ser recordados o desvelo maternal pelos filhos, especialmente quando estão doentes ou andam por maus caminhos; a morte das pessoas mais queridas; a solidão das mães esquecidas pelos filhos adultos; os sofrimentos das viúvas; a desventura das mulheres que lutam sozinhas pela sobrevivência ou que sofreram injustiço e são exploradas”

Durante esta procissão acabaram por ser lançados mais recados: “Contemplando esta Mãe, cujo coração foi trespassado por uma espada, o nosso pensamento volta-se hoje e muito particularmente para todas as mulheres que sofrem no mundo, que sofrem, tanto no sentido físico como psicológico ou moral. Neste sofrimento, uma parte é devida à sensibilidade própria da mulher, mesma que ela, com frequência, saiba resistir ao sofrimento, mais do que o homem. É difícil enumerar estes sofrimentos, é difícil nomeá-los todos: podem ser recordados o desvelo maternal pelos filhos, especialmente quando estão doentes ou andam por maus caminhos; a morte das pessoas mais queridas; a solidão das mães esquecidas pelos filhos adultos; os sofrimentos das viúvas; a desventura das mulheres que lutam sozinhas pela sobrevivência ou que sofreram uma injustiça e são exploradas. Existem, enfim, os sofrimentos das consciências por causa do pecado, que não cicatrizam facilmente. Também com estes sofrimentos é preciso pôr-se aos pés da Cruz de Cristo para fazer delas história da paixão e testemunho da compaixão divina!”

“Também nós nos encontramos diante do sofrimento: a solidão, os insucessos e as decepções da nossa vida pessoal; as dificuldades de emprego; as separações e os lutos nas nossas famílias; a violência da guerra e a morte dos inocentes”

“Porém, devemos saber que, nos momentos difíceis que não faltam na vida de cada um, não estamos sozinhos”

Por outro lado, o texto lido por sacerdotes sublinha: “Neste passo do encontro, vemos, por fim, como na Cruz, o Filho pôde derramar o seu sofrimento no coração da Mãe. Cada filho que sofre tem necessidade disto. Também nós nos encontramos diante do sofrimento: a solidão, os insucessos e as decepções da nossa vida pessoal; as dificuldades de emprego; as separações e os lutos nas nossas famílias; a violência da guerra e a morte dos inocentes. Porém, devemos saber que, nos momentos difíceis que não faltam na vida de cada um, não estamos sozinhos: «como o fez a João, aos pés da Cruz, também Jesus nos dá a sua Mãe, para que nos conforte com a sua ternura».”

 Trata-se de uma citação do então Papa João Paulo II, numa das Jornadas Mundiais da Juventude.

No adro da Igreja de São Sebastião, uma senhora leu um texto a pedir “misericórdia” a Jesus por todas as pessoas que “fogem à guerra e à miséria, refugiados de países africanos, que morrem no mar e na lama”, além dos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente

Já no adro da Igreja de São Sebastião e através de altifalantes levados ao longo da Procissão do Senhor dos Passos, em Lagos, os fiéis ouviram uma senhora apelar, nomeadamente, ao fim das guerras no Médio Oriente e na Ucrânia, além de pedir “misericórdia” para todas as pessoas que “fogem à guerra e à miséria, refugiados de países africanos que morrem no mar e na lama.” “Cristo, misericórdia!” A mensagem foi repetida por muita gente e o padre Nelson Rodrigues, entre cânticos, pediu “compaixão”, rezando uma Ave-Maria. Os fiéis acompanharam-no na oração.

“Jesus, ajuda-nos a levantar quando não conseguimos ir em frente, açoitados pelas tempestades da vida, sem forças para continuarmos o caminho até chegar a casa” – o apelo do padre Vasco Figueirinha, na parte final da procissão

Por sua vez, o padre Vasco Figueirinha deixou um apelo divino para os que sofrem: “Jesus, ajuda-nos a levantar quando não conseguimos ir em frente, açoitados pelas tempestades da vida, sem forças para continuarmos o caminho até chegar a casa.”

Chuva apareceu no final das cerimónias

Já no interior da Igreja de São Sebastião, entre cânticos e orações, e de, novo, após a atuação da banda Filarmónica Lacobrigense 1º. de Maio, o Presidente desta celebração religiosa, padre Nelson Rodrigues, recordou a “Cruz em que Jesus foi crucificado há dois mil anos.” Em seguida, expressou a sua gratidão pela eucaristia e procissão, que decorreram “com tranquilidade”. E ainda destacou o facto de a chuva, “que tanta falta nos faz”, desta vez não ter aparecido durante a cerimónia na via pública, como que agradecendo ao São Pedro.

Curiosamente, pouco depois… começou a chover. De imediato, uma senhora, que se preparava para sair da Igreja de São Sebastião, recolheu-se no seu interior. O mesmo sucedeu com outros fiéis. “Não apanhei chuva durante a procissão, não vou apanhar agora…”, observou a mulher. Contudo, eram, apenas, alguns chuviscos e tudo voltou à normalidade, numa tarde com céu nublado e 14 graus centígrados de temperatura.