Greve Geral – Entrevista a João Vasconcelos, dirigente do Bloco de Esquerda no Algarve: “Este governo apenas representa e protege os patrões” e “o pacote laboral provocará um enorme retrocesso social”

Promessa de aumentar salários “não passa de demagogia barata da parte do primeiro-ministro para tentar desmobilizar os trabalhadores da greve, o que não vai acontecer.”

Nesta entrevista ao ‘Litoralgarve’, João Vasconcelos, professor de História em Portimão, refere que o pacote laboral, proposto pelo Executivo de Luís Montenegro, contém “mais de uma centena de medidas”, considerando “a esmagadora maioria contra os direitos dos trabalhadores.” Ao destacar parte das propostas, alerta que “se forem para a frente provocará um enorme retrocesso social, da responsabilidade do governo PSD/CDS e com o apoio da Iniciativa Liberal e do Chega.” “Os trabalhadores compreendem o que está em causa”, garante João Vasconcelos, sublinhando o facto de esta greve geral ter sido convocada pelas duas maiores centrais sindicais – a CGTP e a UGT – com o apoio de muitos sindicatos independentes.

José Manuel Oliveira

Litoralgarve – Qual é a sua expectativa em termos de adesão dos trabalhadores à greve geral nesta quinta-feira, dia 11 de Dezembro de 2025?

João Vasconcelos  – A expectativa é muito positiva, considerando que a Greve Geral foi decretada pelas duas maiores centrais sindicais do país, CGTP e UGT, e muitos sindicatos independentes também decretaram e apoiam a greve. O que está em causa é muito grave e se for para a frente – a reforma laboral – vai afetar muito negativamente a vida dos trabalhadores. Os trabalhadores compreendem o que está em causa.

Litoralgarve – Curiosamente, em Portimão, esta greve coincide com o Dia da Cidade, feriado municipal, o que leva ao encerramento de muitos serviços públicos. Tal situação poderá provocar confusão nas pessoas em relação à greve?

João Vasconcelos – A situação de greve geral pode não se fazer sentir muito neste concelho por ser feriado municipal e o Dia da Cidade. Mas muitos serviços privados irão parar. Não haverá qualquer tipo de confusão.

“Uma das áreas mais críticas da falta de funcionários nas escolas em Portimão e por todo o Algarve verifica-se a nível dos refeitórios”

Litoralgarve – O Bloco de Esquerda convocou uma concentração, a partir das 08h30, no Largo 1º. de Maio, em frente ao edifício da Câmara Municipal, onde terá lugar a sessão solene do Dia da Cidade. Qual o motivo? Que palavras de ordem vão ser proferidas e o que exibirão os cartazes no local?

João Vasconcelos – Não foi o Bloco de Esquerda que convocou a manifestação. Esta proposta saiu de um plenário sindical realizado pelo sindicato STOP na Escola D. Martinho Castelo Branco, com a presença de muitos professores e de outros profissionais da educação e onde eu estive presente. Trata-se de um protesto contra a reforma (anti)laboral do governo, pela defesa do direito à greve e de reunião de trabalhadores e por mais Assistentes Operacionais nas escolas, com salários, carreiras e horários dignos. Uma das áreas mais críticas da falta de funcionários nas escolas em Portimão e por todo o Algarve verifica-se a nível dos refeitórios.

“Muitas escolas e outros serviços públicos devem encerrar”

Litoralgarve – Por ironia, já se fala num fim-de-semana prolongado, nomeadamente nas escolas, devido a esta greve…

João Vasconcelos – Parece que vamos também ter greve nos serviços públicos no dia 12 de dezembro [sexta-feira], pois há alguns sindicatos que já tinham anteriormente marcado greve para este dia. E como o descontentamento é muito grande no seio dos trabalhadores devido às medidas anti-laborais decretadas pelo governo de Luís Montenegro, um dos governos mais à direita depois do 25 de Abril, muitas escolas e outros serviços públicos devem encerrar.

“Sim, defendo que os trabalhadores em greve deviam ficar nos seus locais de trabalho”

 “Mas também compreendo que devem ter o direito de escolher onde querem fazer a greve, pois já fazem um esforço muito grande ao perderem um dia de salário”

Litoralgarve – Por outro lado, muitas pessoas dizem que as greves deviam ser cumpridas mesmo nos locais de trabalho, em vez de os grevistas ficarem em casa ou irem passear. Como reage?

João Vasconcelos – Sim, defendo que os trabalhadores em greve deviam ficar nos seus locais de trabalho. Mas também compreendo que devem ter o direito de escolher onde querem fazer a greve, pois já fazem um esforço muito grande ao perderem um dia de salário.

“Mais de uma centena de medidas, a esmagadora maioria contra os direitos dos trabalhadores. Se forem para a frente provocará um enorme retrocesso social, da responsabilidade do governo PSD/CDS e com o apoio da Iniciativa Liberal e do Chega.”

Litoralgarve – O que está concretamente em causa no Pacote Laboral, apresentado pelo Governo?

João Vasconcelos – São mais de uma centena de medidas, a esmagadora maioria contra os direitos dos trabalhadores. Se forem para a frente provocará um enorme retrocesso social, da responsabilidade do governo PSD/CDS e com o apoio da Iniciativa Liberal e do Chega. Só para dar alguns exemplos sobre as propostas do governo:

Facilitam ainda mais os despedimentos e permitindo-os sem justa causa.

Desregulam os horários de trabalho, generalizam o banco de horas e o trabalho suplementar não pago. Forçam a redução dos salários.

Eternizam o trabalho precário para quem começa a trabalhar nessa condição e aumentam as outras contratações a prazo.

Aumentam a extinção dos contratos colectivos, procurando facilitar ainda mais as condições laborais abaixo do que a própria lei prevê.

– Atacam a liberdade sindical, querendo aumentar o impedimento dos sindicatos entrarem nas empresas.

– Restringem o direito à greve, generalizando os serviços mínimos em todos os sectores laborais.

Litoralgarve – Sem indicar prazos, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, acredita que a reforma laboral é uma oportunidade para, “em vez do salário mínimo ser 920 euros, poder ser 1.500, e em vez do salário médio ser 1.500, poder ser 2.000 ou 2500.” Um dos “objetivos centrais” do atual governo é “aumentar o salário médio”. O que lhe parece este conjunto de propostas?

João Vasconcelos – Não passa de demagogia barata da parte do primeiro-ministro para tentar desmobilizar os trabalhadores da greve, o que não vai acontecer. Este governo apenas representa e protege os patrões.

“São propostas para não levar a sério e ficam muito aquém da valorização do salário mínimo. Estes valores de 1.100 euros para o salário mínimo deviam ser para o ano de 2026.”

“Em matéria salarial, Portugal continua na cauda da Europa e só os privilegiados é que conseguem viver dignamente”

Litoralgarve – O acordo de concertação social estabelece aumentos anuais de 50 euros até 2028, ano em que o salário mínimo deverá atingir 1.020 euros. No programa do Governo, a meta é alcançar 1.100 euros em 2029. Como encara este plano?

João Vasconcelos – São propostas para não levar a sério e ficam muito aquém da valorização do salário mínimo. Estes valores de 1.100 euros para o salário mínimo deviam ser para o ano de 2026. Claro que os salários médios também precisam de ser devidamente valorizados. Em matéria salarial, Portugal continua na cauda da Europa e só os privilegiados é que conseguem viver dignamente.

“Devem ser decretadas mais greves gerais, manifestações e protestos por todo o país até o governo vergar”

Litoralgarve – Que outras formas de luta poderão ser desencadeadas se esta greve geral não surtir os efeitos desejados para as centrais sindicais e para os partidos políticos que a apoiam?

João Vasconcelos – Devem ser decretadas mais greves gerais, manifestações e protestos por todo o país até o governo vergar.

Litoralgarve – Que problemas enfrentam os trabalhadores, em geral, no Algarve? Quais são os sectores mais afectados?

João Vasconcelos – Os problemas mais graves que afetam os trabalhadores são os baixos salários, a precariedade, a sazonalidade, os ritmos intensivos de trabalho, particularmente no verão, a falta de habitação e a degradação do SNS (Serviço Nacional de Saúde) e de outros serviços públicos.

“O desemprego no Algarve deve afetar alguns milhares de pessoas no inverno, considerando a grande sazonalidade que existe na região”

“De qualquer modo, o Algarve teve uma das taxas de desemprego mais baixas de Portugal no 3.º trimestre deste ano, ficando abaixo da média nacional com 5,8%, segundo o INE”

Litoralgarve – Quantos desempregados existem nesta região?

João Vasconcelos – O desemprego no Algarve deve afetar alguns milhares de pessoas no inverno, considerando a grande sazonalidade que existe na região. De qualquer modo, o Algarve teve uma das taxas de desemprego mais baixas de Portugal no 3.º trimestre deste ano, ficando abaixo da média nacional com 5,8%, segundo o INE – Instituto Nacional de Estatística.

Em 2026, “as perspetivas não são nada animadoras para os trabalhadores”

“Este governo está a governar, de facto, com a extrema-direita do Chega e com a muleta do PS”

Litoralgarve – Como perspectiva o ano de 2026 em Portugal?

João Vasconcelos – As perspetivas não são nada animadoras para os trabalhadores, a continuar a dirigir os destinos do país o governo PSD/CDS, um dos piores governos em cinquenta anos de democracia, pois este governo está a governar, de facto, com a extrema-direita do Chega e com a muleta do PS.

“O aumento das despesas militares apenas visa servir os caprichos da máquina de guerra de Trump [Presidente dos Estados Unidos da América], da NATO e das elites belicistas da Europa, retirando muitos milhões para as reformas, que não são aumentadas condignamente, para os aumentos dos salários e para a valorização dos serviços públicos”

“A União Europeia e os seus ridículos dirigentes estão completamente de cócoras perante Trump e tornaram-se irrelevantes para negociar o que quer que seja. E paradoxo dos paradoxos, acabaram por dar mais força à Rússia imperial de Putin e prejudicaram a Ucrânia.”

Litoralgarve – Que efeito terá, por exemplo, o aumento da despesa militar e um maior apoio financeiro à Ucrânia, no âmbito da União Europeia?

João Vasconcelos – O aumento das despesas militares apenas visa servir os caprichos da máquina de guerra de Trump [Presidente dos Estados Unidos da América], da NATO e das elites belicistas da Europa, retirando muitos milhões para as reformas, que não são aumentadas condignamente, para os aumentos dos salários e para a valorização dos serviços públicos. Escalar a guerra só irá trazer mais guerra e sofrimento para as populações. A União Europeia e os seus ridículos dirigentes estão completamente de cócoras perante Trump e tornaram-se irrelevantes para negociar o que quer que seja. E paradoxo dos paradoxos, acabaram por dar mais força à Rússia imperial de Putin e prejudicaram a Ucrânia.

“Os imigrantes ilegais são presas fáceis das máfias e dos patrões sem escrúpulos, que os exploram miseravelmente, pagando-lhes baixos salários e com trabalho quase escravo”

“Se não fossem os imigrantes – que pagam uma considerável parte das reformas dos nossos pais e avós – a agricultura, o turismo e restauração não funcionavam”

“O nosso país e, particularmente o Algarve, necessitam de imigrantes e são os próprios empresários a dizê-lo. Mas devem estar devidamente legalizados e com os direitos consagrados na lei.”

Litoralgarve – Como encara a imigração em Portugal? São necessários mais imigrantes?

João Vasconcelos – Como se sabe, o nosso país e, particularmente o Algarve, necessitam de imigrantes e são os próprios empresários a dizê-lo. Mas devem estar devidamente legalizados e com os direitos consagrados na lei. Os imigrantes ilegais são presas fáceis das máfias e dos patrões sem escrúpulos, que os exploram miseravelmente, pagando-lhes baixos salários e com trabalho quase escravo. Se não fossem os imigrantes – que pagam uma considerável parte das reformas dos nossos pais e avós – a agricultura, o turismo e restauração não funcionavam. Alimentar o ódio e a discriminação contra os imigrantes, como faz o Chega, deve ser combatido por todos os portugueses de bem – que também devem combater e desmascarar o Chega populista e racista.

Litoralgarve – Diariamente, o Instituto do Emprego e Formação Profissional apresenta ofertas de emprego a todos os níveis, desde serviços de limpeza, sector da restauração e hotelaria, até acção médica, prometendo, em muitos casos, compensação salarial adequada. Como avalia esta situação?

João Vasconcelos – Considero positivo, desde que a compensação salarial seja adequada e valorizada para fazer face às difíceis condições de vida, nomeadamente a nível da habitação, uma das maiores chagas sociais que os nossos (des)governantes teimam em não resolver.

“Se os salários fossem dignos, ninguém iria querer viver de subsídios, salvo raras exceções”

Litoralgarve – Há empresários que dizem que muitos trabalhadores preferem ficar no desemprego e receber o respectivo subsídio. Admite esse cenário?

João Vasconcelos – Então que lhe paguem salários adequados e compensadores. Se os salários fossem dignos, ninguém iria querer viver de subsídios, salvo raras exceções.

“Acredito que, com a força deste povo, dos seus trabalhadores, mais cedo do que se espera teremos uma maioria de esquerda no país”

“Até porque a direita e extrema-direita que nos governam vão “rebentar” com o país e iremos assistir a vários protestos e revoltas da parte das populações”

Litoralgarve – O atual governo PSD-CDS/PP, chefiado por Luís Montenegro, poderá mesmo cumprir os quatro anos de mandato, ou a dissolução da Assembleia da República será uma realidade mais tarde ou mais cedo? Com a esquerda em minoria no Parlamento, como encara os próximos anos?

João Vasconcelos – Acredito que, com a força deste povo, dos seus trabalhadores, mais cedo do que se espera teremos uma maioria de esquerda no país. Até porque a direita e extrema-direita que nos governam vão “rebentar” com o país e iremos assistir a vários protestos e revoltas da parte das populações.

Catarina Martins garantirá estabilidade na Presidência da República

Litoralgarve – Quem poderá ser a figura ideal como próximo Presidente da República para garantir estabilidade em Portugal?

João Vasconcelos – Eu voto na Catarina Martins.

Marcelo Rebelo de Sousa “fez tudo fez para Portugal ter um governo das direitas e muito contribuiu para alimentar o crescimento da extrema-direita do Chega”. “Foi o pior Presidente que tivemos em 50 anos de democracia”

Litoralgarve – Que avaliação faz aos dois mandatos de Marcelo Rebelo de Sousa, na Presidência da República? Quais os aspectos positivos e negativos que destaca?

João Vasconcelos – Foi o pior Presidente que tivemos em 50 anos de democracia. Tudo fez para Portugal ter um governo das direitas e muito contribuiu para alimentar o crescimento da extrema-direita do Chega.