Entrevista exclusiva ao padre da Salema, José Manuel Chula: Com guerras no mundo, “é preciso, sobretudo, diálogo. Noutras vezes, mais não podemos fazer do que  rezar a Deus por aqueles que sofrem”

Natural de Monchique, José Manuel Nunes Chula foi ordenado sacerdote aos 26 anos de idade, no dia 26 de Junho de 2016. Com 35 anos (nasceu a 09 de Setembro de 1989), exerce a sua atividade há sete no concelho de Vila do Bispo, e é pároco, nomeadamente, na localidade da Salema, onde, pela primeira vez, participou nas Festas de Verão, em Agosto, tendo celebrado a eucaristia no espaço da antiga lota e seguido a bordo de um pequeno barco de pesca, durante a procissão pelo mar, junto ao andor com a figura da padroeira, Nossa Senhora dos Navegantes.

Após o regresso à praia e de uma procissão, entre cânticos, ao longo da avenida, situada nas imediações do areal, enquanto aguardava transporte para voltar à igreja, na companhia de elementos da organização dos festejos, o padre José Manuel Chula concedeu uma curta entrevista exclusiva ao ‘Litoralgarve’, na qual abordou temas como a fé e o mundo em tempo de guerra, além das cerimónias religiosas na Salema.

José Manuel Oliveira

Litoralgarve – Qual o balanço que faz sobre a eucaristia, com mais de uma centena de fiéis, e a Procissão pelo Mar da Salema, principal ‘ex-líbris’ no regresso das Festas de Verão, nesta localidade do concelho de Vila do Bispo, em honra da sua padroeira, Nossa Senhora dos Navegantes?

padre José Manuel Chula – Como pároco é a primeira vez que participo na Festa da Salema. A última festa tinha ocorrido antes da pandemia da Covid-19 e ainda não era o padre [nesta localidade]. Em primeiro lugar, foi uma alegria, ao fim destes anos, podermos retomar esta festa; uma alegria não apenas minha, mas também do sentir do povo. Algumas pessoas vieram manifestar-me a alegria de ter retomado a festa, que correu bem. Quando retomamos algo é sempre mais difícil as coisas entrarem nas engrenagens.

“Estou convencido de que, no próximo ano, já haverá mais barcos [na procissão pelo mar], já haverá mais gente na festa [de Verão na Salema], mais pessoas também para dar a sua colaboração. Isto é o fruto daquilo que é o retomar de algo que há alguns anos não se realizava.”

Litoralgarve – O que faltou?

padre José Manuel Chula – Não faltou necessariamente nada. Mas quando realizamos festas deste tipo todos os anos, já sabemos o que é necessário. Quando se pára durante vários anos, há sempre pormenores que ficam mais ou menos esquecidos, que podem não sair tão bem, com alguém que tratava desses aspectos. Porém, não houve nada que tivesse sido propriamente mau.

Litoralgarve – Gostaria de ter visto mais pessoas e maior número de barcos na procissão?

padre José Manuel Chula – É talvez um pouco isso. Mas é também natural esse tipo de coisas. Depois de uma pausa deparamo-nos que retomar demora mais tempo. Foi, como referi, a primeira vez que realizámos [esta procissão] ao fim de cinco anos [de interrupção devido à Covid-19]. Estou convencido de que, no próximo ano, já haverá mais barcos, já haverá mais gente na festa, mais pessoas também para dar a sua colaboração. Isto é o fruto daquilo que é próprio do retomar de algo que há alguns anos não se realizava.

“Como não tenho referências da anterior festa, não tinha grandes expectativas seja ao nível de pessoas, seja de barcos. Para mim 2024 é a referência”

Litoralgarve – Quantas pessoas participaram na procissão pelo mar nas nove embarcações, incluindo a do salva-vidas da Estação de Sagres do Instituto de Socorros a Náufragos?

padre José Manuel Chula – Não sei. Também não sei como foi noutros anos. Como não tenho referências da anterior festa, não tinha grandes expectativas em termos de números, seja de pessoas, seja de barcos. Para mim 2024 é a referência. Comparando com outros anos, não sei. Para o ano já poderei ter mais uma referência. Neste momento, não dá para comparar, como disse.

Litoralgarve – Há quanto tempo é padre na localidade da Salema?

padre José Manuel Chula – Aqui, como pároco da Praia da Salema, estou há quatro anos. E, como já referi, há cinco anos que não se realizava esta festa.

“Carências? Há e haverá sempre. Em termos de pedir apoio à igreja não é algo muito habitual na zona [da Salema]. Sei que em Lagos isso acontece mais.”

Litoralgarve – O que nota nesta população? Existem carências, pessoas a pedir apoio à igreja?

padre José Manuel Chula – Carências? Há e haverá sempre. Em termos de pedir apoio à igreja não é algo muito habitual aqui na zona. Sei que em Lagos isso acontece mais. Exactamente porquê, não sei dizer.

Litoralgarve – Há muitos imigrantes e desempregados com necessidades na zona da Salema?

padre José Manuel Chula – Sei que há, mas como não pedem [apoio] à igreja, é uma coisa que me passa um pouco ao lado.

“Não podemos medir a fé das pessoas por aquelas que, habitualmente, vêm à igreja, ou não, à eucaristia, ou aparecem nestas festas” religiosas

Litoralgarve – Sente mais fé nas pessoas, depois da pandemia da Covid-19?

padre José Manuel Chula – É muito fácil olhar para este tipo de festas e achar que as pessoas têm mais ou menos fé. Mas a fé é algo mais profundo. Não podemos medir a fé das pessoas por aquelas que, habitualmente, vêm à igreja, ou não, à eucaristia, ou aparecem nestas festas. A fé é muito mais do que isso. Naturalmente há sempre gente que não vindo, de forma habitual à igreja, tem a sua fé. A realidade é sempre muito mais complexa do que as pessoas que aparecem individualmente, ou do povo, no seu conjunto, pela quantidade de vezes que vem habitualmente à eucaristia, nem tão pouco pela quantidade de pessoas que aparece num dia de festa como a realizada na Praia da Salema. De qualquer maneira, dá-nos para medir algo, mas não poderá ser uma coisa definitiva.

“Como a Igreja não tem uma solução mágica para os nossos problemas, é mais fácil as pessoas esquecerem-se de se apoiar em Deus”

Litoralgarve – O que tem de fazer a Igreja Católica para atrair mais jovens, num mundo cada vez mais complexo com guerras em várias zonas?

padre José Manuel Chula – É sempre muita coisa a clamar pela nossa atenção. Mas dermos as voltas que dermos, complicações, problemas sejam do que for, coisas que correm bem, coisas que correm mal, tenhamos fé, ou não, indo à igreja, ou não, a grande diferença é que quando temos fé, quando acreditamos em Deus, sabemos que, nas alegrias, temos alguém com quem as partilhar. E nas tristezas e nas dificuldades, temos, também, alguém em quem nos apoiar, que é Deus.

 O problema muitas vezes é que achamos que, como a Igreja não tem uma solução mágica para os nossos problemas, é mais fácil as pessoas esquecerem-se de se apoiar em Deus. Quando efectivamente o fazemos, sentimos a alegria e a confiança de olhar para Deus, para a fé, nos momentos bons e nos momentos maus. Isso faz cada vez mais sentido, precisamente por essas dificuldades que vão surgindo.

Litoralgarve – Com guerras no Médio Oriente, entre forças israelitas e palestinianas, e na Ucrânia contra a invasão por parte da Rússia, além de tantos conflitos noutras zonas, o mundo está cada vez mais inseguro?

padre José Manuel Chula – É preciso, sobretudo, olharmos para este tipo de situações e haver diálogo. E temos de nos voltar para Deus e questionar: «Senhor, o que é que eu posso fazer?» Podemos fazer coisas práticas, coisas simples. Noutras vezes, mais não podemos fazer do que rezar e pedir ao Senhor, a Deus, misericórdia por aqueles que sofrem. Não podemos fazer nada de material, mas há que pedir ao Senhor a sua presença. Isso é algo que podemos fazer sempre.

Confiar que “Deus vá tocando nas consciências” de líderes mundiais

Litoralgarve – São os líderes das grandes potências mundiais que alimentam as guerras? O que se pode fazer?

padre José Manuel Chula – Se confiarmos em Deus, acreditamos que Ele, efectivamente, respeitando a liberdade, vá tocando nas consciências dessas pessoas. Não podemos fazer mais do que isso.