Entrevista a José Garrancho, autor do livro «Historia do associativismo da Freguesia de Portimão – Retrato de seis associações»

 “As coletividades fechavam-se sobre elas próprias e as coisas eram pensadas e realizadas simplesmente para o gozo dos seus associados”

Clube União, Glória ou Morte, Sociedade Vencedora, Boa Esperança, Boavista Futebol Clube e Clube Desportivo e Recreativo da Pedra Mourinha são as coletividades que fazem parte desta obra literária de José Garrancho, de 75 anos, jornalista, e que será apresentada durante a tarde do dia 16 de novembro (sábado) nas instalações da Junta de Freguesia de Portimão, cidade de onde é natural e reside o autor.

Nesta entrevista concedida ao ‘site’ «Litoralgarve», José Garrancho explica os problemas que enfrentou para reunir histórias sobre as seis associações, aquilo que as mesmas representavam para as pessoas noutros tempos, as dificuldades sentidas, sobretudo nos anos 80 do século XX, a recuperação, entretanto, conseguida, e como vivem agora. E aproveita para deixar sugestões aos dirigentes, de forma a atrair os mais jovens, num período dominado pelas novas tecnologias e a Internet.

José Manuel Oliveira

Litoralgarve – No dia 16 de novembro (neste sábado), à tarde, vai apresentar o seu livro intitulado «História do associativismo da Freguesia de Portimão – Retrato de seis associações». Como surgiu a ideia e quanto tempo demorou a concretizá-la?

José Garrancho – Em fevereiro de 2022, fui convidado a escrever um livro sobre seis coletividades portimonenses: Clube União, Glória ou Morte, Sociedade Vencedora, Boa Esperança, Boavista Futebol Clube e Clube Desportivo e Recreativo da Pedra Mourinha. O trabalho levou mais tempo a concluir, porque tive um acidente, em agosto de 2022, que me limitou a locomoção durante oito meses.

“Três das seis coletividades são centenárias. O União tem 117 anos, o Glória ou Morte vai com 105 e a Vencedora cumpriu o seu 100º aniversário no passado dia 1 de novembro. Ficou muito por apurar, devido à escassez de arquivos documentais por parte de algumas coletividades”

Litoralgarve – Que dificuldades enfrentou para conseguir reunir dados, histórias e o percurso dessas coletividades? Com quantas pessoas falou? Ficou algo por apurar ou conseguiu tudo o que pretendia?

José Garrancho – Três das seis coletividades são centenárias. O União tem 117 anos, o Glória ou Morte vai com 105 e a Vencedora cumpriu o seu 100º aniversário no passado dia 1 de novembro. Ficou muito por apurar, devido à escassez de arquivos documentais por parte de algumas coletividades. Houve documentação que se estragou ou extraviou, por mau armazenamento ou qualquer outra razão. As pessoas não se preocupavam tanto em deixar legado documental e fotográfico para os vindouros, como acontece agora. As coletividades fechavam-se sobre elas próprias e as coisas eram pensadas e realizadas simplesmente para o gozo dos seus associados.

“Falei com muitas pessoas, mas encontrei grandes discrepâncias sobre alguns factos, pois a maioria sabia por ter ouvido e não por ter assistido. E quem assistiu, pela idade e pelos anos decorridos, não conseguia precisar factos e, muito menos, as datas. Mas tive algumas ajudas preciosas. Contudo, fui obrigado a recorrer à imprensa local, escassa na altura, consultando jornais desde o ano 1900. Foram a minha maior fonte”

Encontrei herdeiros de várias pessoas que se destacaram nessas associações, dando-lhes muito da sua vida e também da sua fortuna, que desconheciam essa faceta dos seus ascendentes.

Falei com muitas pessoas, mas encontrei grandes discrepâncias sobre alguns factos, pois a maioria sabia por ter ouvido e não por ter assistido. E quem assistiu, pela idade e pelos anos decorridos, não conseguia precisar factos e, muito menos, as datas. Mas tive algumas ajudas preciosas. Contudo, fui obrigado a recorrer à imprensa local, escassa na altura, consultando jornais desde o ano 1900. Foram a minha maior fonte.

“Embora, em Portimão, a maioria tivesse origem no futebol, todas proporcionavam aos associados facilidades sociais e recreativas. Tinham biblioteca, sala de jogos, realizavam bailes ao longo do ano, etc. Na verdade, eram os únicos locais de diversão, com exceção dos cinemas e das feiras”

Litoralgarve – O que representava para as pessoas, cada uma dessas associações em Portimão? Quem frequentava as sedes, o que se fazia e como viviam as coletividades?

José Garrancho – As pessoas associavam-se, como acontecia por todo o país, pelo seu status social, por interesses comuns, pelo que lhes era proporcionado. Em todas as localidades onde vivi, encontrei o clube dos ricos, o dos comerciantes, o dos artífices, o dos pescadores, etc. Embora, em Portimão, a maioria tivesse origem no futebol, todas proporcionavam aos associados

facilidades  sociais e recreativas. Tinham biblioteca, sala de jogos, realizavam bailes ao longo do ano, etc. Na verdade, eram os únicos locais de diversão, com exceção dos cinemas e das feiras.

“Nos anos 80, quase desapareceram, porque a juventude começou a frequentar os bares e as discotecas, que se multiplicaram e lhes ofereciam diariamente o que as coletividades tinham dado aos seus pais uma dúzia de vezes por ano. Mais tarde, os grandes aumentos das rendas, que eram baixíssimas, deixaram as duas mais antigas na rua. Mas, com a preciosa ajuda da Câmara Municipal [de Portimão] e da Junta de Freguesia, deram a volta e, hoje, estão confortáveis”

“As associações culturais e recreativas viviam com a quotização e as receitas dos bares, que arrendavam. Com a crise, nos anos 80, alguns desses bares tornaram-se antros de batota e acabaram por afastar muitos associados. Quando as direções decidiram acabar com o jogo, os arrendatários entregaram os bares, porque deixaram de faturar. Como essa era, então, a principal fonte de receita, as associações ficaram sem dinheiro para pagar a renda da casa.”

E prossegue: Todas as coletividades tiveram os seus momentos altos, em diferentes épocas. Nos anos 80, quase desapareceram, porque a juventude começou a frequentar os bares e as discotecas, que se multiplicaram e lhes ofereciam diariamente o que as coletividades tinham dado aos seus pais uma dúzia de vezes por ano. Mais tarde, os grandes aumentos das rendas, que eram baixíssimas, deixaram as duas mais antigas na rua. Mas, com a preciosa ajuda da Câmara Municipal [de Portimão] e da Junta de Freguesia, deram a volta e, hoje, estão confortáveis. Para isso, contribui imenso o esforço de um grupo de pessoas, as quais viveram e amaram essa experiência na sua juventude e que as vêm mantendo e tentando atrair os mais jovens.

As associações culturais e recreativas viviam com a quotização e as receitas dos bares, que arrendavam. Com a crise, nos anos 80, alguns desses bares tornaram-se antros de batota e acabaram por afastar muitos associados. Quando as direções decidiram acabar com o jogo, os arrendatários entregaram os bares, porque deixaram de faturar. Como essa era, então, a principal

fonte de receita, as associações ficaram sem dinheiro para pagar a renda da casa. Felizmente, os autarcas interessaram-se por manter viva a tradição e ajudaram-nas a levantar-se.

“As dificuldades financeiras começam logo pelo reduzido número de associados, embora o valor da quota seja insignificante, na ordem de 1 euro mensal”

“Algumas coletividades, como o Clube de Futebol Boavista e o Clube da Pedra Mourinha, continuam a investir no desporto e, por conseguinte, têm grande atração para os jovens.

O Boa Esperança apostou no teatro profissional e foi mantendo escolas de dança, de teatro infantil e de fado, cativando alguma juventude.

As outras vão sobrevivendo com sessões de fado, música dos anos 70 e 80 e outras manifestações direcionadas principalmente para os grupos etários a partir dos quarenta. Mas já vão aparecendo eventos e atividades para os mais jovens”

Litoralgarve – E como se encontram, atualmente, as seis associações retratadas neste seu livro? Que tipo de atividades desenvolvem? E quais as dificuldades com que se deparam e porquê? Têm instalações próprias?

José Garrancho – As seis associações retratadas no livro mantêm-se ativas e dinâmicas, embora com atividades diferentes, direcionadas para diferentes públicos. As dificuldades financeiras começam logo pelo reduzido número de associados, embora o valor da quota seja insignificante, na ordem de 1 euro mensal. Mas esse parece ser o problema do associativismo, de um modo geral.

As três centenárias não têm instalações próprias e foram as que mais sofreram, tendo duas delas sido obrigadas a mudar-se para sedes mais pequenas. As mais jovens, embora o Boa Esperança já exista desde 1928, são proprietárias dos espaços que ocupam e não sofreram a crise.

Algumas coletividades, como o Clube de Futebol Boavista e o Clube da Pedra Mourinha, continuam a investir no desporto e, por conseguinte, têm grande atração para os jovens. O Boa Esperança apostou no teatro profissional e foi mantendo escolas de dança, de teatro infantil e de fado, cativando alguma juventude. As outras vão sobrevivendo com sessões de fado, música dos anos 70 e

80 e outras manifestações direcionadas principalmente para os grupos etários a partir dos quarenta. Mas já vão aparecendo eventos e atividades para os mais jovens.

“Com as novas tecnologias e a Internet, os jovens perderam o interesse no associativismo. Quando estão juntos, cada um está grudado no seu telemóvel, comunicando com os «amigos» em todo o mundo, mas quase não comunicam entre si”

“Possivelmente, as associações terão de criar atividades para participar ‘online’, se quiserem atrair os jovens de hoje. Talvez competições de jogos em computadores sejam um caminho”

Litoralgarve – Em tempo de novas tecnologias e com a Internet na ponta dos dedos, qual é o interesse dos mais jovens pelo associativo? 

José Garrancho – Com as novas tecnologias e a internet, os jovens perderam o interesse no associativismo. Repara que, quando estão juntos, cada um está grudado no seu telemóvel, comunicando com os «amigos» em todo o mundo, mas quase não comunicam entre si.

Litoralgarve – E o que deverão fazer os dirigentes das associações para atrair essa faixa etária?

José Garrancho – Possivelmente, as associações terão de criar atividades para participar ‘online’, se quiserem atrair os jovens de hoje. Talvez competições de jogos em computadores sejam um caminho, mas não sei se terão disponibilidade financeira e instalações para tal fim.