Sem papas na língua, como é seu timbre, o médico e presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, Francisco Amaral, em entrevista ao Litoralgarve, diz o que está mal na prevenção ao novo coronavírus e antevê “o descalabro e o caos absoluto” durante os meses de Julho e Agosto, no Algarve, com a entrada de turistas sem testes negativos à Covid-19. Lembra que “o desemprego subiu em flecha” no seu concelho, enquanto esteve encerrada a fronteira com Espanha, e admite que a retoma da economia “vá ser muito lenta”.
Litoralgarve – Que repercussão teve para o concelho de Castro Marim o encerramento da fronteira do Guadiana, desde 16/03/2020 até 30/06/2020, devido à pandemia da Covid-19? Quais os prejuízos económicos? E quanto poderá ter perdido o Algarve em termos gerais?
Francisco Amaral – O encerramento da fronteira foi terrível para a economia de Castro Marim, do sotavento e do Algarve em geral. O comércio e a restauração, tal como a hotelaria, viviam muito do público espanhol, que com o encerramento da fronteira desapareceu. Alguns destes setores fecharam a porta e não sei se irão reabrir. O desemprego subiu em flecha. E o tal contributo da receita do turismo algarvio para o PIB nacional também terá descido em flecha.
Litoralgarve – O que espera, a partir de agora, com a reabertura da fronteira no dia 01/07/2020?
Francisco Amaral – Espera-se que a retoma da economia surja, embora vá ser muito lenta dado ainda o grande medo que esta situação pandémica suscita nas pessoas, seja português ou estrangeiro.
“O VERÃO EM TERMOS DE GRANDES EVENTOS, TANTO EM CASTRO MARIM, COMO NO ALGARVE EM GERAL, IRÁ SER ISENTO DE GRANDES FESTIVAIS”… “DAÍ, EU ESTRANHAR, POR EXEMPLO, AINDA NÃO TER SIDO ANULADA A ORGANIZAÇÃO DA FESTA DO AVANTE “

Litoralgarve – Como vai ser o Verão no concelho de Castro Marim, em termos de eventos e animação? E o que é que a Covid-19 impede de se realizar, em 2020?
Francisco Amaral – O verão em termos de eventos, tanto em Castro Marim, como no Algarve em geral, irá ser isento de grandes festivais, grandes espetáculos, grandes festas., porque todo o cuidado é pouco. Desde o princípio da pandemia, assumimos logo que não iria haver o Festival do Caracol, nem arraiais dos Santos Populares, nem os tradicionais bailes e nem os Dias Medievais que, como qualquer grande evento, têm que ser preparados com largos meses de antecedência. Daí eu estranhar, por exemplo, ainda não ter sido anulada a organização da “Festa do Avante”.
Daí todo o cuidado ser pouco. É preferível pecar por excesso de zelo do que por defeito, porque uma pandemia com estas características não é nenhuma brincadeira. Por exemplo, o mercado mensal de Castro Marim será retomado, mas no Campo de Futebol, com todos os cuidados, e só quando a situação sanitária for mais favorável.
ATERRAR NO AEROPORTO DE FARO COM TESTE NEGATIVO COVID-19 NAS ÚLTIMAS 72 HORAS, “OU FÁ-LO-IAM À ENTRADA EM PORTUGAL. DE OUTRO MODO, PODERÁ SER NO ALGARVE, EM JULHO E AGOSTO, O DESCALABRO E O CAOS ABSOLUTO”
Litoralgarve – Autarcas e responsáveis de várias instituições do Algarve receiam que, com o Verão, o período de férias para muita gente e a reabertura das fronteiras, aérea, terrestre e marítima, aumente o número de casos de infeção na região. Qual é a sua perspetiva? Há mesmo esse perigo? Basta medir a temperatura às pessoas que chegam ao aeroporto de Faro?
Francisco Amaral – Os países que melhor enfrentaram esta pandemia foram os que mais cedo encerraram as fronteiras e que iniciaram a obrigatoriedade de utilização das máscaras também mais cedo.
Nós aqui fomos uma desgraça. Ainda hoje qualquer pessoa entra no Aeroporto de Faro, ou no de Lisboa, sem o mínimo de controlo. A medição da temperatura é uma fantochada. O uso de máscara inicialmente até foi contraindicado pela Direção-Geral da Saúde. Aqui já se pode ver bem a inconsciência destes responsáveis.
Litoralgarve – E o que deve ser feito?
Francisco Amaral – Daí eu defender há muito que quando aterrassem nos nossos aeroportos, nomeadamente no de Faro, teriam que ter o teste Covid-19 negativo nas últimas 72 horas, ou fá-lo-iam à entrada em Portugal. De outro modo, poderá ser no Algarve, em julho e agosto, o descalabro e o caos absoluto.
“MAIS UMA TERRÍVEL MACHADADA NA ECONOMIA DA REGIÃO” COM A DECISÃO DO GOVERNO BRITÂNICO AO EXCLUIR PORTUGAL CONTINENTAL DOS DESTINOS TURÍSTICOS SEGUROS, DEVIDO À PANDEMIA

Litoralgarve – O que poderá acontecer ao Algarve com a decisão do governo do Reino Unido ao excluir Portugal dos corredores de viagens internacionais, devido à Covid-19? Quais os reflexos pela falta de turistas britânicos?
Francisco Amaral – Poderá ser mais uma terrível machadada na economia da região. Não nos podemos esquecer que é um dos nossos principais públicos. Falamos de mais de 2 milhões por ano.
Litoralgarve – A vinda de turistas espanhóis, a partir de agora, poderá de alguma forma resolver a quebra do mercado britânico no Algarve?
Francisco Amaral – São públicos distintos, com hábitos distintos. A restauração será muito favorecida pelo público espanhol, já a hotelaria será mais beneficiada pelo cliente inglês.
Litoralgarve – E como perspetiva o mercado nacional?
Francisco Amaral – Ainda é o que assegura algum rendimento à economia da região, que depende acima de tudo da monocultura do turismo. O mercado nacional, que não se tem deslocado para outros destinos mundiais devido à situação pandémica, tem-se direcionado muito para o Algarve e, de algum modo, redescoberto este destino.
MULTAS PARA OS INFRATORES DAS REGRAS DE SEGURANÇA NA COVID-19? “CLARO, HÁ QUEM NÃO ENTENDA OUTRA LINGUAGEM, NOMEADAMENTE ALGUNS IRRESPONSÁVEIS, ATÉ DEBAIXO DE ALGUM ETILISMO”

Litoralgarve – Concorda com a aplicação de multas a quem não cumprir as regras de segurança no âmbito da Covid-19?
Francisco Amaral – Claro, há quem não entenda outra linguagem, nomeadamente alguns jovens inconscientes e irresponsáveis, até debaixo de algum etilismo agudo.
Litoralgarve – Verão, noites quentes, tudo isso é propício a festas, ajuntamentos e folia. Como controlar esse tipo de situações?
Francisco Amaral – Só com muita informação e muito policiamento nas ruas, de outro modo será o descontrolo da situação.
Litoralgarve – Receia que, com o eventual agravamento da situação pandémica, possa haver necessidade de voltar ao estado de calamidade e consequente período de quarentena?
Francisco Amaral – Seria terrível para as famílias e para a economia do país, mas se tiver que ser… primeiro estará a saúde e a vida das pessoas.
“NO INVERNO, ENTÃO PREVEJO O AUMENTO DO MEDO E DO PÂNICO. IRÃO SURGIR MUITOS SINTOMAS FEBRIS, QUE IRÃO SER ASSOCIADOS À COVID-19”
Litoralgarve – Os hospitais e centros de saúde do Algarve estão mesmo preparados para enfrentar a Covid-19?
Francisco Amaral – A população do Algarve no verão triplica. Admito que este ano tal pode não acontecer, mas os serviços de saúde geralmente não estão preparados para tão grande afluxo de pessoas neste destino. Com a Covid-19 em pleno, a situação poderá agravar-se e outras patologias são secundarizadas, como já acontece neste momento.
Litoralgarve – E no Inverno, como irá ser, com a Covid-19 e as gripes que normalmente surgem nesta altura do ano?
Francisco Amaral – No inverno, então prevejo o aumento do medo e do pânico. Irão surgir muitos sintomas febris, que irão ser associados à Covid-19. E até ao despiste perdurará a incerteza e a desconfiança. Vamos ter mesmo que aprender a viver com este vírus que até ao momento é desconhecido.
Autor: José Manuel Oliveira