Depressão Cláudia no Algarve – Entrevista a Ângelo Mariano, dirigente da ACRAL: “A morte e ferimentos num parque de campismo arrastam consequências diretas para a confiança dos visitantes e reputação da região”

“É plausível que haja uma quebra, especialmente entre turistas britânicos, dado que a vítima era britânica e foi notícia internacional”, admite, em entrevista ao ‘Litoralgarve’, o coordenador da Associação do Comércio e Serviços da Região do Algarve (ACRAL), em Lagos, Ângelo Mariano. Em consequência da depressão Cláudia, “até ao momento” não existe uma estimativa “fiável e consolidada” do montante económico total dos prejuízos sofridos, refere este dirigente associativo. E ainda em tempo de balanço, após tornados e inundações, aponta aquilo que está mal no Algarve para enfrentar estas intempéries, lança apelos às autarquias e aos empresários, e pede apoio ao governo.

José Manuel Oliveira


Litoralgarve – Que balanço faz, em termos económicos e sociais, sobre os efeitos da depressão Cláudia no Algarve? Qual o montante dos prejuízos?

Ângelo Mariano – Até agora, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil registou 4.017 ocorrências ligadas à depressão Cláudia em todo o continente, com 586 delas no Algarve. Mais de 2.100 destes incidentes são inundações. Ainda assim, não há até ao momento uma estimativa pública fiável e consolidada do montante económico total dos prejuízos no Algarve (ou nacional), proveniente desta depressão. As notícias focam-se sobretudo no número de ocorrências, vítimas e intervenções, mas não referem valores monetários globais.

Quanto ao impacto social, há, como se sabe, uma vítima mortal no Algarve. Uma cidadã britânica, de 85 anos, morreu num parque de campismo de Albufeira. Registaram-se, também, 28 feridos, dois em estado grave, no mesmo parque de campismo e noutro hotel próximo. A Proteção Civil mobilizou milhares de operacionais para responder às ocorrências.

Por outro lado, houve desalojamentos em outras regiões, embora no Algarve o foco principal tenha sido nas infraestruturas turísticas e residenciais vulneráveis.

Em termos sociais, o impacto é significativo, pois a morte e ferimentos, especialmente num parque de campismo turístico, arrastam consequências diretas para a confiança dos visitantes e para a reputação da região.

Litoralgarve – Quais foram as zonas mais afetadas no Algarve?

Ângelo Mariano – A sub-região do distrito de Faro foi alvo de alertas muito sérios. Recorde-se que o Instituto Português do Mar e da Atmosfera emitiu aviso vermelho para precipitação no Algarve. Em termos de ocorrências da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, o número de incidentes é alto no Algarve – 586 segundo balanço recente.

No caso específico do tornado, como já foi referido, o parque de campismo afetado fica situado em Albufeira e o fenómeno forte de vento também foi registado em Lagoa.

Também se reportam inundações em Faro e em Vila Real de Santo António como áreas historicamente vulneráveis quando há chuva intensa.

Litoralgarve – E quais as repercussões para a atividade turística, na sequência do tornado registado em Albufeira, de que resultou uma vítima mortal, a que se juntaram mais de duas dezenas de feridos? Que impacto imediato poderá ter essa situação?

Ângelo Mariano – O tornado que atingiu o parque de campismo de Albufeira, como se sabe, causou a destruição de infraestruturas mais frágeis (autocaravanas, tendas) e ferimentos, o que pode gerar uma perceção de risco para turistas que optam por campismo, caravanas ou alojamento mais simples.

A fatalidade, com a morte de uma senhora britânica, de 85 anos, inevitavelmente atrai atenção mediática negativa, o que pode afetar a imagem de segurança da região.

“Turistas de campismo ou caravanismo são particularmente vulneráveis a este tipo de fenómeno de vento forte. Se a quebra se vier a verificar, pode afetar sobretudo esse nicho e não tanto quem fica em hotéis. Mas o impacto de reputação pode ter efeitos mais amplos.“

Litoralgarve – Há risco de quebra de turistas?

Ângelo Mariano – Sim, é plausível que haja uma quebra, especialmente entre turistas britânicos, dado que a vítima era britânica e foi notícia internacional.

Outras nacionalidades podem ficar mais receosas, dependendo da cobertura mediática e das garantias prestadas pelas autoridades ao nível de segurança, reconstrução, garantia de que infraestruturas vulneráveis serão reforçadas.

Litoralgarve – Qual é o perfil do turista afectado?

Ângelo Mariano – Turistas de campismo ou caravanismo são particularmente vulneráveis a este tipo de fenómeno de vento forte. Se a quebra se vier a verificar, pode afetar sobretudo esse nicho e não tanto quem fica em hotéis mais robustos. Mas o impacto de reputação pode ter efeitos mais amplos.

“Empresários de cafés e comércio nas zonas centrais lamentam danos em esplanadas, equipamentos e mercadorias por causa de água pluvial”

“E há moradores que já se sentem cansados de repetidos episódios de inundação, especialmente em “zonas historicamente vulneráveis”. Alguns turistas, ou residentes, referem falta de ação preventiva clara, no tocante a limpeza e revisão de infraestruturas.”

“Também existem queixas relativas à rapidez e coordenação da resposta das autarquias e da Protecção Civil quanto à comunicação e prevenção”

Litoralgarve – Como  avalia as inundações registadas em zonas do centro de cidades, afetando cafés, restaurantes, esplanadas e estabelecimentos comerciais, como Faro, Albufeira, Silves, Portimão e Lagos, entre outras? Falta limpeza de estruturas de drenagem de águas pluviais?

Ângelo Mariano – As inundações estão a afetar zonas centrais históricas. Cafés, restaurantes, esplanadas, estabelecimentos comerciais são mencionados como afetados. A precipitação intensa, aliada a marés altas em alguns momentos, agrava o risco de acumulação de água. Em Faro, por exemplo, foram registados valores de precipitação muito elevados.

A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil tem feito apelo para limpeza dos sistemas de drenagem de águas pluviais, de modo a reduzir a vulnerabilidade das zonas historicamente mais frágeis a inundações. Uma das críticas que surgem é, precisamente, a desobstrução insuficiente dos sistemas de escoamento (bocas de lobo, galerias pluviais). A Proteção Civil recomenda que os municípios verifiquem e limpem onde possível para minimizar riscos.

Em muitos centros urbanos antigos, a infraestrutura de drenagem pode não estar preparada para episódios extremos tão intensos, sobretudo quando combinados com marés ou precipitação muito rápida.

Litoralgarve – Que queixas se têm ouvido?

Ângelo Mariano – Empresários de cafés e comércio nas zonas centrais lamentam danos em esplanadas, equipamentos e mercadorias por causa de água pluvial. Ehá moradores que já se sentem cansados de repetidos episódios de inundação, especialmente em “zonas historicamente vulneráveis”, como são conhecidas.

Alguns turistas, ou residentes, referem falta de ação preventiva clara, no tocante a limpeza e revisão de infraestruturas. Também existem queixas relativas à rapidez e coordenação da resposta das autarquias e da Protecção Civil quanto à comunicação e prevenção.

“Há que pedir às câmaras para que reforcem a manutenção dos sistemas de drenagem de águas pluviais, de modo regular, especialmente antes da época de tempo mais adverso. Também é necessário solicitar que o plano de emergência municipal [em cada concelho] inclua especificamente os estabelecimentos turísticos e comerciais vulneráveis, com apoio logístico e financeiro para medidas preventivas.”

“É preciso lançar um apelo ao governo para apoio financeiro, com subvenções e linhas de crédito), de forma a permitir a reparação rápida das infraestruturas afetadas”

Litoralgarve – Quais as medidas que a ACRAL – Associação do Comércio e Serviços da Região do Algarve vai tomar para minorar este tipo de situações? Que apelo deixa às autarquias e a outras entidades?

Ângelo Mariano – Assumindo o papel de um representante da ACRAL, estas seriam algumas das ações e apelos que poderia fazer:

 – Ações imediatas: Colaborar com autarquias para mapear os pontos críticos (comerciantes, restauradores, zonas históricas) mais vulneráveis a inundações e vento forte.

– Promover campanhas de sensibilização para que os estabelecimentos verifiquem e reforcem a sua infraestrutura, com a fixação de placas, toldos e estruturas suspensas.

– Desenvolver guias práticos para empresários sobre prevenção: como proteger esplanadas e como garantir escoamento das águas pluviais nas suas instalações.

Há que pedir às câmaras para que reforcem a manutenção dos sistemas de drenagem de águas pluviais, de modo regular, especialmente antes da época de tempo mais adverso. Também é necessário solicitar que o plano de emergência municipal [em cada concelho] inclua especificamente os estabelecimentos turísticos e comerciais vulneráveis, com apoio logístico e financeiro para medidas preventivas.

Por outro lado, é preciso lançar um apelo ao governo para apoio financeiro, com subvenções e linhas de crédito, de forma a permitir a reparação rápida das infraestruturas afetadas.

“É fundamental desenvolver planos de resiliência climática regionalizados, que incluam previsões mais realistas de fenómenos extremos, como depressões profundas, tornados locais e inundações intensas”

“Há que investir em infraestruturas de drenagem reforçadas, especialmente nas zonas urbanas centrais, adaptando os sistemas pluviais às novas realidades climáticas”

“É necessário promover a formação de empresários turísticos para ação preventiva (tendas, toldos, fixação de estruturas), para que sejam mais autónomos na resposta. E há que fomentar parcerias público-privadas para financiar obras preventivas nos pontos mais vulneráveis, nomeadamente centros históricos, parques turísticos e campismo”

Litoralgarve – Como deve o Algarve preparar-se para enfrentar estas intempéries?

Ângelo Mariano – É fundamental desenvolver planos de resiliência climática regionalizados, que incluam previsões mais realistas de fenómenos extremos, como depressões profundas, tornados locais e inundações intensas. Além disso, há que investir em infraestruturas de drenagem reforçadas, especialmente nas zonas urbanas centrais, adaptando os sistemas pluviais às novas realidades climáticas.

Ao mesmo tempo, é necessário promover a formação de empresários turísticos para ação preventiva (tendas, toldos, fixação de estruturas), para que sejam mais autónomos na resposta. E há que fomentar parcerias público-privadas para financiar obras preventivas nos pontos mais vulneráveis, nomeadamente centros históricos, parques turísticos e campismo.

Quadra natalícia e passagem-de ano? “Ainda é cedo para avaliar completamente o impacto nas reservas já feitas, mas o medo de intempéries pode inibir parte dos turistas, especialmente os que vêm para experiências ao ar livre”

“A imprevisibilidade atmosférica pode condicionar espectáculos musicais, eventos de fogo-de-artifício e outras iniciativas turísticas ao ar livre. Por isso, as autoridades locais e os promotores devem considerar planos B: locações interiores, seguros mais abrangentes, ou tecnologia que permita cancelamentos / adiamentos de forma rápida, conforme as previsões meteorológicas.”

Litoralgarve – Qual é a sua perspectiva para a quadra natalícia e passagem-de-ano? A imprevisibilidade de condições atmosféricas adversas poderá condicionar espetáculos musicais ao ar livre e o lançamento de fogo-de-artifício, que servem normalmente de cartaz turístico no Algarve?

Ângelo Mariano – Ainda é cedo para avaliar completamente o impacto nas reservas já feitas, mas o medo de intempéries pode inibir parte dos turistas, especialmente os que vêm para experiências ao ar livre.

Por outro lado, há turistas de outras regiões (menos suscetíveis a estes fenómenos) que podem manter ou até aumentar a sua procura, se perceberem que as infraestruturas foram reforçadas.

Sim, a imprevisibilidade atmosférica pode condicionar espectáculos musicais, eventos de fogo-de-artifício e outras iniciativas turísticas ao ar livre. Por isso, as autoridades locais e os promotores devem considerar planos B: locações interiores, seguros mais abrangentes, ou tecnologia que permita cancelamentos / adiamentos de forma rápida, conforme as previsões meteorológicas.

“É importante transmitir transparência sobre os riscos, mas também sobre as medidas adoptadas, para reconquistar a confiança dos turistas”, durante a quadra natalícia e passagem-de-ano

Nesta entrevista ao ‘Litoralgarve’, o coordenador da ACRAL – Associação do Comércio e Serviços da Região do Algarve, em Lagos, aproveitou para lançar uma “campanha de tranquilidade”, tendo em vista a quadra natalícia e passagem-de-ano: “O Algarve está a reforçar-se para receber bem nesta quadra”, comunicando os esforços de prevenção e reparação. “É importante transmitir transparência sobre os riscos, mas também sobre as medidas adoptadas, para reconquistar a confiança dos turistas”, sublinhou Ângelo Mariano.

“No turismo, há um risco real de quebra, especialmente para nichos como campismo. Mas se houver uma resposta eficaz e comunicada, esse impacto pode ser mitigado.”

A reforçar, acrescentou “em conclusão”:

– Como já referi, o balanço económico da depressão Cláudia, no Algarve, é difícil de quantificar em termos de montante de prejuízo. Há muitas ocorrências, sobretudo inundações, mas ainda sem números oficiais consolidados sobre os custos monetários.

Socialmente, o impacto é grave: há vítimas, feridos e danos em infraestruturas turísticas, o que pode afetar a imagem da região. As zonas mais afetadas incluem Albufeira (tornado), Lagoa, Silves, Lagos, Faro e outras áreas vulneráveis a inundações.

No turismo, há um risco real de quebra, especialmente para nichos como campismo. Mas se houver uma resposta eficaz e comunicada, esse impacto pode ser mitigado.

Quanto à preparação, é essencial reforçar infraestruturas de drenagem, mobilizar a comunidade empresarial e criar planos de resiliência claros.

Para a época de Natal e Ano Novo, é importante ter planos alternativos para eventos ao ar livre e comunicar bem os esforços de mitigação para manter a confiança dos visitantes.