Membros do Conselho de Estado mostraram-se divididos na questão da dissolução do parlamento. Já os partidos com assento parlamentar foram, na sua maioria, favoráveis a essa decisão. Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu ao primeiro-ministro o facto de ele aceitar manter-se no cargo até às novas eleições, após a demissão que António Costa apresentou logo após tomar conhecimento oficial, através de um comunicado da Procuradoria-Geral da República, que está a ser investigado, num processo autónomo, por escutas telefónicas que envolvem o seu chefe de gabinete, ministros, um ex-responsável governamental, autarcas e empresários, entre outros, por suspeitas de corrupção, prevaricação e tráfico de influência, nos polémicos negócios de exploração de lítio nas zonas de Montalegre e de Boticas, bem como de hidrogénio verde no concelho de Sines. “Espero que o tempo, mais depressa do que devagar, permita esclarecer o sucedido, no respeito da presunção da inocência, da salvaguarda do bom nome, da afirmação da Justiça e do reforço do Estado de Direito Democrático”, afirmou o Presidente da República, em jeito de recado ao Supremo Tribunal de Justiça, instituição à qual cabe este processo que envolve o primeiro-ministro.
José Manuel Oliveira
Num discurso de, apenas, seis minutos, entre as 19h59 e as 20h04, como constatou o ‘Litoralgarve’, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou, ao país, na noite de quinta-feira, 09 de Novembro de 2023, a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições legislativas antecipadas para o dia 10 de Março de 2024.
A decisão foi tomada logo após a reunião do Conselho de Estado e um dia depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter recebido, no Palácio de Belém, representantes dos oito partidos com assento na Assembleia da República (PS, PSD, Chega, PCP, PEV – Partido Ecologista ‘Os Verdes’, Iniciativa Liberal, PAN e Livre), na sequência da demissão, inesperada, do primeiro-ministro, o socialista António Costa, devido ao processo do Ministério Público, que envolve o nome deste responsável governamental em escutas telefónicas ao seu chefe de gabinete, Vítor Escaria (entretanto exonerado), o ministro das Infra-estruturas, João Galamba, o ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, o ex-ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, empresários e autarcas, devido a suspeitas de corrupção, prevaricação e tráfico de influências nos polémicos casos de negócios da exploração lítio nas minas de Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas), e dos projectos da central de produção de energia a partir de hidrogénio, em Sines, e de uma central de dados da empresa ‘Star Campus’, também neste concelho do sudoeste alentejano, avaliados em mais de 1.000 milhões de euros. Recorde-se que a investigação foi conduzida pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e envolveu agentes da Polícia de Segurança Pública, com buscas domiciliárias e várias detenções, no processo denominado ‘Operação Influencier’.
“Pela primeira vez em Democracia, um Primeiro-Ministro em funções ficou a saber, no âmbito de diligências relativas a investigação em curso, respeitante a terceiros, uns seus colaboradores, outros não, que ia ser objeto de processo autónomo, a correr sob a jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça”
Foi este o discurso do Presidente da República à nação:
“Portugueses,
Pela primeira vez em Democracia, um Primeiro-Ministro em funções ficou a saber, no âmbito de diligências relativas a investigação em curso, respeitante a terceiros, uns seus colaboradores, outros não, que ia ser objeto de processo autónomo, a correr sob a jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça.
De imediato, apresentou a sua exoneração, invocando razões de dignidade indispensável à continuidade do mandato em curso. Antes do mais, quero sublinhar a elevação do gesto e da respetiva comunicação aos Portugueses.
Quero, também, testemunhar o serviço à causa pública, durante décadas, em particular nos longos e exigentíssimos anos de saída do défice excessivo, saneamento da banca, pandemia e guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, na chefia do Governo de Portugal.
Agradeço, ainda, a disponibilidade para assegurar as funções, até à substituição, nos termos constitucionais.
Espero que o tempo, mais depressa do que devagar, permita esclarecer o sucedido, no respeito da presunção da inocência, da salvaguarda do bom nome, da afirmação da Justiça e do reforço do Estado de Direito Democrático.
Portugueses,
Chamado a decidir sobre o cenário criado pela demissão do Governo, consequência da exoneração do Primeiro-Ministro, optei pela dissolução da Assembleia da República e a marcação de eleições em 10 de março de 2024.
Fi-lo, depois de ouvir os partidos com assento parlamentar, e o Conselho de Estado, como impunha a constituição. Os primeiros, claramente favoráveis, o segundo com empate, e, portanto, não favorável à dissolução. Situação, aliás, que já ocorrera no passado com outros Chefes de Estado.
Fi-lo, portanto, por decisão própria no exercício de um poder conferido pela Constituição da República Portuguesa.
E fi-lo, por inúmeras razões.
A primeira – a natureza do voto nas eleições de 2022, personalizado no Primeiro-Ministro, com base na sua própria liderança, candidatura, campanha eleitoral, e esmagadora vitória.
Assim o disse, logo em 30 de março do ano passado, no discurso de posse do Governo, ao falar em eventual substituição a meio do caminho. Sublinhando o preço das grandes vitórias inevitavelmente pessoais e intencionalmente personalizadas.
Evitar “a fraqueza da formação de novo Governo com a mesma maioria, mas com qualquer outro Primeiro-Ministro, para tanto não legitimado política e pessoalmente pelo voto popular”. Este foi um dos argumentos utilizados pelo Presidente da República, numa alusão indirecta ao sucedido, recorde-se, com o social-democrata Pedro Santana Lopes, que, em 2004, assumiu as funções de primeiro-ministro, substituindo o então Chefe do Governo, Durão Barroso, quando este decidiu ocupar o cargo de presidente da Comissão Europeia
Segunda – a fraqueza da formação de novo Governo com a mesma maioria, mas com qualquer outro Primeiro-Ministro, para tanto não legitimado política e pessoalmente pelo voto popular.
Terceira – o risco, já verificado no passado, de essa fraqueza redundar num mero adiamento da dissolução para pior momento, com situação mais crítica e desfecho mais imprevisível. Vivendo o Governo até lá como um Governo presidencial, isto é, suportado pelo Presidente da República e o Presidente da República como um inspirador partidário. Tudo enfraquecendo o papel presidencial, num período sensível em que ele deve ser, sobretudo, uma referência interna e externa.
A aprovação do Orçamento de Estado para 2024 e a importância dos milhões de euros de verbas europeias, através do Plano de Recuperação e Resilência (PRR)
Quarta – a garantia da indispensável estabilidade económica e social que é dada pela prévia votação do Orçamento do Estado para 2024, antes mesmo de ser formalizada a exoneração do atual Primeiro-Ministro, em inícios de dezembro [de 2023]. A aprovação do Orçamento permitirá ir ao encontro das expetativas de muitos Portugueses, e acompanhar a execução do PRR [Plano de Recuperação e Resilência, também conhecido por ‘bazuca’ europeia – n.d.r,], que não pára, nem pode parar, com a passagem de Governo a Governo de gestão, ou mais tarde com a dissolução da Assembleia da República.
Quinta – maior clareza e mais vigoroso rumo para superar um vazio inesperado, que surpreendeu e perturbou tantos Portugueses, afeiçoados, que se encontravam, aos oito anos de liderança governativa ininterrupta. Devolvendo assim a palavra ao Povo. Sem dramatizações nem temores.
“É essa a força da Democracia. Não ter medo do Povo.”
É essa a força da Democracia. Não ter medo do Povo.
Portugueses,
Tentei encurtar o mais possível o tempo desta decisão. Tal como o da dissolução e convocação das eleições. E se não foi possível torná-lo mais breve, isso tem a ver com o processo de substituição na liderança no Partido do Governo, como aconteceu no passado.
“Agora, do que se trata é de olhar em frente, estugar o passo, escolher os representantes do Povo e o Governo que resultará das eleições. (…) Como sempre, Portugueses, confio em Vós, no Vosso Patriotismo, no Vosso espírito democrático, na Vossa experiência, no Vosso bom-senso, na Vossa liberdade.”
Agora, do que se trata é de olhar em frente, estugar o passo, escolher os representantes do Povo e o Governo que resultará das eleições.
Um Governo que procure assegurar a estabilidade e o progresso económico, social e cultural, em liberdade, pluralismo e Democracia.
Um Governo com visão de futuro, tomando o já feito, acabando o que importa fazer, inovando no que ficou por alcançar.
Como sempre, Portugueses, confio em Vós, no Vosso Patriotismo, no Vosso espírito democrático, na Vossa experiência, no Vosso bom-senso, na Vossa liberdade. Como sempre, sois Vós – e só Vós – a certeza decisiva do futuro do nosso Portugal.”