“O Algarve é uma região que aparece com o rosto de uma província desenvolvida, cosmopolita, mas política e culturalmente é uma zona deprimida.” Este é um dos alertas lançados, em entrevista concedida ao ‘site’ «Litoralgarve», por Lídia Jorge, conhecida escritora portuguesa do período pós-Revolução, sendo autora de romances, contos, ensaios, poesia e crónicas.
A convite do Chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, foi nomeada para presidir, neste ano, à Comissão Organizadora das Comemorações do 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Nascida em Boliqueime, no concelho de Loulé, a 18 de Junho de 1947, Lídia Guerreiro Jorge tem 78 anos idade, é detentora de vários prémios, entre os quais Medicis Estrangeiro e Prémio FIL de Literatura em Línguas Românicas. Tem romances traduzidos em diversos idiomas.
Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi professora do ensino secundária. Em 2020, com o título ‘Em todos os sentidos’, reuniu as crónicas que leu, ao longo de um ano, aos microfones da Rádio Antena2.
Nestas declarações ao nosso Jornal, a escritora deixa críticas a sucessivos governos, devido à falta de investimento cultural no Algarve, diz o que pensa sobre o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e prefere ver um civil, em 2026, no Palácio Belém.
José Manuel Oliveira
Litoralgarve – O que representa para a senhora ter sido nomeada, pelo Presidente da República, professor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações Nacionais do 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, que se realizam na cidade de Lagos e em Macau? Ficou surpreendida com o convite? Como reagiu?
Lídia Jorge – As Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas estão a cargo da
Presidência da República e a organização é gerida pelas entidades militares e pela autarquia de Lagos.
Fui convidada pelo facto de ser natural do Algarve. A
confiança que o Senhor Presidente da República depositou em mim, para dizer umas palavras durante uma cerimónia, representa uma responsabilidade. Lerei um texto alusivo à simbologia do dia.
“Reli alguns livros fundamentais e algumas publicações recentes, e voltei aos poemas de Camões. De resto, andei por Lagos, visitei os seus locais de memória fundamentais. E pensei no tempo presente”
Litoralgarve – Como preparou o programa destas comemorações em Lagos? Quais os pontos principais? O que destaca?
Lídia Jorge – Pus um cuidado normal na preparação. Como tive ocasião de participar em encontros a propósito do quincentenário de Camões, estava mais ou menos informada sobre realizações entretanto promovidas, que têm sido importantes. Reli alguns livros fundamentais e algumas publicações recentes, e voltei aos poemas de Camões. De resto, andei por Lagos, visitei os seus locais de memória fundamentais. E pensei no tempo presente.
“Não vai haver comemorações em Macau. Foi decidido que não se iriam estender para Oriente, quando surgiu a crise política e se percebeu que a campanha eleitoral e a tomada de posse de um novo executivo não permitiriam uma preparação atempada num território distante. Foi uma grande pena. Teria um simbolismo importante.”
Litoralgarve – E em Macau, como vai ser?
Lídia Jorge – Não vai haver comemorações em Macau. Foi decidido que não se iriam estender para Oriente, quando surgiu a crise política e se percebeu que a campanha eleitoral e a tomada de posse de um novo executivo não permitiriam uma preparação atempada num território distante. Foi uma grande pena. Teria um simbolismo importante. Mas Lagos e o Algarve, só por si, constituem lugares suficientemente densos de significado para que as Comemorações do Dia 10 de Junho possam assumir a importância simbólica que a data convoca.
“Lagos é uma cidade inscrita numa das rotas da Unesco, que mais nos ensina sobre o que é sermos humanos e desumanos. É um livro aberto ao Mundo para quem quer ler.”
Litoralgarve – O que significa este evento para Lagos e de que forma pode a cidade potenciá-lo?
Lídia Jorge – Lagos é uma típica cidade do Sul de Portugal e do Sul da Europa. Hoje em dia, é sobretudo uma cidade de visita, com o desenvolvimento que a actividade turística desenvolve e também os desequilíbrios que acarreta, como é comum em toda a faixa do Mediterrâneo e do litoral Atlântico. Por isso, o nosso olhar para o futuro enriquece-se se olharmos para o passado. É aí que Lagos, como cidade da História, janela aberta para África, ganha em ser revisitada.
Hoje em dia, Lagos é uma cidade inscrita numa das rotas da Unesco, que mais nos ensina sobre o que é sermos humanos e desumanos. É um livro aberto ao Mundo para quem quer ler.
“O Algarve é uma região que aparece com o rosto de uma província desenvolvida, cosmopolita, mas política e culturalmente é uma zona deprimida”
“Diria que é politicamente deprimida porque culturalmente é muito fraca”
“Os governos centrais, sucessivos, têm ignorado infraestruturas fundamentais e impulsos culturais estratégicos necessários para se fazer sair esta região da sua anomia”
Litoralgarve – Lagos já foi palco das comemorações nacionais de Dia de Portugal, em 1996, por iniciativa do então Presidente da República, doutor Jorge Sampaio, a que se seguiu Faro, no ano de 2010, com o Chefe de Estado, professor Cavaco Silva, e agora, em 2025, de novo a cidade de Lagos é eleita, desta vez por decisão do professor Marcelo Rebelo de Sousa, a cerca de nove meses do final do seu segundo mandato presidencial. O que podem representar estas comemorações para o Algarve?
Lídia Jorge – Podem representar muito e muito pouco. Depende da leitura que se quiser fazer desse sinal que se dá ao Algarve. O Algarve é uma região que aparece com o rosto de uma província desenvolvida, cosmopolita, mas política e culturalmente é uma zona deprimida. Diria que é politicamente deprimida porque culturalmente é muito fraca. Os governos centrais, sucessivos, têm ignorado infraestruturas fundamentais e impulsos culturais estratégicos necessários para se fazer sair esta região da sua anomia.
Não estou demasiado optimista, mas talvez estas Comemorações possam lembrar que há necessidade urgente de um outro tipo de investimento nesta região do país.
Não enjeitar, no futuro, comemorações do Dia de Portugal em Loulé

Litoralgarve – Como cidadã natural de Boliqueime, sede de freguesia do município de Loulé, gostaria de ver este concelho vir a ser, também, escolhido para as comemorações nacionais do Dia de Portugal?
Lídia Jorge – Cada cidade tem o seu perfil próprio. Loulé é, sobretudo, uma cidade laboriosa, que olha o mar de Quarteira, de Vilamoura, Vale de Lobo e Quinta do Lago, enquanto centro administrativo agregador. Liga o mar e a serra interior. Do seu concelho têm saído, na modernidade, sobretudo, figuras de acção modificadora para o país inteiro.
Eu ficaria contente se se mantivesse o impulso que tem sido dado na área do empreendedorismo, ecologia, arqueologia, ciência, desporto, música, cultura. Em alguns
aspectos, é um exemplo para o país. Para não recuar, Loulé precisa de continuar a ter uma visão estratégica em todos aqueles domínios. Sem enjeitar comemorações, Loulé precisa, sobretudo, de acções consertadas, agregadoras, positivas. E a continuação de políticas de vizinhança humanizadas.
“É cedo para começar a falar das saudades que o Presidente Marcelo vai deixar. Creio que vai deixar muitas.”
“É o presidente menos rei que tivemos”
Litoralgarve – A pouco tempo do final deste seu segundo e último mandato como Presidente da República, que avaliação faz ao desempenho do professor Marcelo Rebelo de Sousa neste cargo? Quais os aspectos positivos e negativos que destaca?
Lídia Jorge – É cedo para começar a falar das saudades que o Presidente Marcelo vai deixar. Creio que vai deixar muitas. Por enquanto convém recebê-lo na sua forma inconfundível de se aproximar da população, da sua alegria em se misturar connosco. É o presidente menos rei que tivemos.
“Nunca dei conselhos. Trocamos impressões. É preciso não esquecer que Marcelo Rebelo de Sousa é um leitor”
Litoralgarve – Costuma falar com o Presidente da República? Que conselhos lhe transmite?
Lidia Jorge – Por vezes falamos. Nunca dei conselhos. Trocamos impressões. É preciso não esquecer que Marcelo Rebelo de Sousa é um leitor.
“Perspectivo-lhe um bom futuro. Acho interessante que queira voltar a dar aulas e, segundo consta, se queira dirigir aos alunos mais jovens”
Litoralgarve – Que futuro perspectiva para o professor Marcelo Rebelo de Sousa?
Lídia Jorge – Perspectivo-lhe um bom futuro. Acho interessante que queira voltar a dar aulas e, segundo consta, se queira dirigir aos alunos mais jovens. O Presidente sabe que essa é a idade em que o impulso cívico se cria ou não se cria, e a curiosidade se estimula para sempre.
“Aguardo pela apresentação das candidaturas. Mas prefiro, naturalmente, uma figura civil” para próximo Presidente da República
Litoralgarve – E qual é a figura que gostaria de ver como próximo Presidente da República? Um civil ou militar? Vai apoiar alguém?
Lídia Jorge – É cedo para escolher. Aguardo pela apresentação das candidaturas. Mas prefiro, naturalmente, uma figura civil.
Litoralgarve – Quais os seus próximos projetos literários?
Lídia Jorge – Respondo-lhe brincando consigo – “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Escreveu Pessoa.
A obra literária e os prémios já conquistados pela escritora Lídia Jorge, que foi professora do ensino secundário, ao acompanhar o seu marido, durante a Guerra Colonial, em Angola e Moçambique
Lídia Jorge licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com o apoio de uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian.
Após a obtenção da licenciatura, foi professora do ensino secundário. E acabou por ser nessa condição que viria passar alguns anos decisivos em Angola e Moçambique, acompanhando o marido, Carlos Albino, durante o último período da Guerra Colonial.
Já entre 1995 e 1999, Lídia Jorge veio a leccionar, também, como docente convidada, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Por decisão do Governo Português, foi nomeada membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Mais tarde, integrou o Conselho Geral da Universidade do Algarve, de acordo com informações que constam do seu vasto currículo.
Considerada próxima do PS, Lídia Jorge acabou por ser nomeada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para o Conselho de Estado, de 2021 a 2026
Apesar de ser considerada próxima do Partido Socialista, em 2021, Lídia Jorge veio a ser nomeada, para o período de 2021 a 2026, membro do Conselho de Estado, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Surgiu na escrita, com romance ‘O Dia dos Prodígios’, publicado em 1980. Essa obra é reconhecida por ter constituído um acontecimento, num período em que se inaugurava uma nova fase da literatura portuguesa, pelo que Lídia Jorge se tornou, desde logo, um dos nomes considerados de maior interesse.
Os títulos seguintes, ‘O Cais das Merendas’, em 1982, e ‘Notícia da Cidade Silvestre’, publicado no ano de 1994, foram distinguidos com o Prémio Literário Município de Lisboa. O primeiro, em 1983, aconteceu, refira-se, ‘ex aequo’ com o ‘Memorial do Convento’, do famoso escritor português José Saramago, Prémio Nobel da Literatura.
O livro ‘Notícia da Cidade Silvestre’, em 1984, voltou a destacar o valor da escritora Lídia Jorge. Contudo, veio a ser com o ‘A Costa dos Murmúrios’, no ano de 1988, em que reflecte a experiência em África, durante o período colonial, que viu consolidado o seu lugar ao nível do panorama literário em Portugal.
Seguiram-se, em 1992, ‘A Última Dona’, no ano de 1995 o livro ‘O Jardim sem Limites’ e, em 1998, ‘O Vale da Paixão’.
Já em 2002, editou ‘O Vento Assobiando nas Gruas’, obra que foi, mais tarde, adaptada para cinema pela realizadora Jeanne Waltz, nascida em Basileia, na Suíça, e a residir em Portugal.
O livro ‘Combateremos a Sombra’, publicado em Portugal, no ano de 2007, acabou por receber, em 2008, em França, o ‘Prémio Michel Brisset 2008’, atribuído pela Associação dos Psiquiatras Franceses.
Em 2009, com a chancela da Editora Sextante, Lídia Jorge publicou o livro de ensaios ‘Contrato Sentimental’, considerada uma “reflexão crítica sobre o futuro de Portugal.” No ano de 2011, surgiu o romance ‘A Noite das Mulheres Cantoras’. Por outro lado, ‘Os Memoráveis’, em 2014, é descrito como um livro sobre a mitologia da Revolução dos Cravos, retomando o tema de ‘O Dia dos Prodígios’, a sua primeira obra. No ano de 2016, Lídia Jorge publicou ‘O Amor em Lobito Bay,’ e dois anos depois, em 2018, o ‘Estuário’, retratando a vulnerabilidade do tempo atual.
‘Misericórdia’ – o livro publicado em 2022, como forma de homenagem à sua mãe, Maria dos Remédios, falecida durante a pandemia da Covid-19
Depois, em 2002, seguiu-se, ‘Misericórdia’, considerada uma reflexão acerca da humanidade e uma homenagem à sua mãe, Maria dos Remédios, que acabou por falecer durante a pandemia da Covid-19.
Devido a este romance, Lídia Jorge foi distinguida com um conjunto de prémios – o ‘Grande Prémio de Romance e Novela’, da Associação Portuguesa de Escritores, em 2022; o ‘Prémio Eduardo Lourenço’ (2023); o ‘Prémio de Novela e Romance Urbano Tavares Rodrigues’, no ano de 2023; o ‘Prémio do PEN Clube Português de narrativa (2023); e o ‘Prémio Médicis estrangeiro’, nesse mesmo ano.
Em 2019, estreara-se, entretanto, na poesia, com ‘O Livro das Tréguas’. Isto, apesar de, desde muito jovem, como destaca o seu currículo, Lídia Jorge escrever poesia.
Já outras publicações incluem as antologias de contos, ‘Marido e Outros Contos’, em 1997; ‘O Belo Adormecido’, no ano de 2003; e ‘Praça de Londres’, em 2008. Tal sucedeu, além das edições separadas de ‘ A Instrumentalina’, e ‘O Conto do Nadador’ no ano de 1992.










