(Zé Povinho está de mãos na cintura, encostado ao muro da rotunda, a olhar para a nova estátua enquanto Gil Eanes parece ter acabado de sair do seu pedestal para esticar as pernas.)

Zé Povinho:
— Ó Gil, ó Gil… tu que andaste a dobrar cabos e a abrir mares, diz-me cá: foste tu que encomendaste aquele monumento ali no meio da rotunda?
Gil Eanes:
— Eu?! Nem pensar! Com o que eu naveguei, mais valia porem-me um barco de verdade ali. Isso mais parece obra de quem quis gastar o orçamento antes do fim do ano…
Zé Povinho:
— Olha, e gastaram bem! Até já ouvi dizer que custou tanto como o restauro da muralha inteira… e a muralha, coitada, continua ali a cair aos bocadinhos, a ver passar as selfies dos turistas!
Gil Eanes:
— Pois, e o cais? O cais onde eu desembarquei pela primeira vez em Lagos, agora é mais cais de cerveja e música alta do que de história. Se ao menos pusessem lá uma placa a dizer: “Aqui chegou Gil Eanes — antes de haver Instagram!”

Zé Povinho:
— E tu ainda tens sorte, Gil. Ao menos tens estátua. Eu? Só me lembram nas caricaturas e nos protestos…
Gil Eanes:
— Mas tu és o verdadeiro herói do povo! Se houvesse justiça, Zé, punham uma tua bem no centro da rotunda, de mão no bolso e chapéu na mão, a dizer: “Aqui o povo também tem voz!”
Zé Povinho:
— Eh pá, Gil… mas isso era perigoso. Ainda diziam que eu estava a bloquear o trânsito.
(Ambos riem-se e ficam a olhar para o monumento novo, enquanto os carros buzinam a tentar perceber para onde se entra na rotunda.)
Gil Eanes:
— Olha, Zé, mais vale irmos beber um copo à Ribeira. Entre estátuas que ninguém entende e património a cair, ao menos o vinho ainda não é património esquecido…
Zé Povinho:
— Combinado, Gil. E quem sabe, um dia ainda nos fazem uma rotunda só para nós… com esplanada e tudo!
(Saem a rir, enquanto a nova estátua na rotunda fica lá, imponente, mas com um ar meio perdido.)
Zé e Gil
 
								 
															









